Metade das democracias liberais do mundo enfrenta atualmente a erosão de seus fundamentos, das quais sete estão em retrocesso - Brasil e Estados Unidos entre elas -, segundo o relatório de um think tank internacional divulgado nesta quarta-feira (30).
Problemas como desconfiança na legitimidade das eleições, descontentamento com os partidos, corrupção, fortalecimento da extrema direita e restrições à liberdade de expressão fizeram com que o número de países em erosão democrática seja o mais alto dos últimos anos.
"Esta deterioração vem de há muito tempo, e alguns dos fatores são estruturais: têm a ver com a consolidação de níveis muitos altos de polarização e a piora dos níveis de desigualdade, que faz com que as sociedades se desagregem", diz Kevin Casas-Zamora, secretário-geral do Instituto para a Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA), que realizou o relatório.
Ele pontua também como motivos desse fenômeno a perda da capacidade das potências para levar a "mensagem democrática" a outras partes do mundo e alguns "erros monumentais", como a guerra do Iraque, a crise financeira ou a experiência "terrível" do governo Donald Trump nos Estados Unidos, além da competição de outros modelos, como o da China.
Casas-Zamora identifica desafios "severos" à democracia em todo o mundo, acentuados pela "distância crescente e notada entre as expectativas sociais de bem-estar e as capacidades das instituições democráticas para atendê-las, particularmente em tempos de crise".
Aos fatores estruturais, ele adiciona outros conjunturais, como o impacto político e econômico da pandemia e a guerra na Ucrânia.
Bolsonaro como motivo de preocupação
O relatório de 2022 do IDEA coloca sete nações no grupo de países que enfrentam retrocesso democrático, quando há um erosão mais severa e deliberada: Brasil, El Salvador, Hungria e Polônia estão em grave retrocesso, e Estados Unidos, Índia, Ilhas Maurício em retrocesso moderado.
No caso brasileiro, o IDEA observa que os seus índices que medem respeito aos direitos fundamentais, controle do governo e eleições livres caíram nos últimos anos.
A entidade aponta ainda que a crescente influência dos militares sobre a disputa política e o governo, além dos "ataques do presidente Jair Bolsonaro ao sistema de eleição" são "motivos de preocupação". "Bolsonaro fez alegações infundadas contra o Tribunal Superior Eleitoral e o sistema de votação eletrônico", diz o texto.
Casas-Zamora frisa que o caso dos Estados Unidos é particularmente preocupante, com forte polarização política, disfunção institucional e ameaças às liberdades civis. "Está claro neste ponto que a febre não foi controlada com a eleição de um novo governo [de Joe Biden]", diz.
Ele destaca os altos níveis de polarização entre os americanos e as "tentativas de minar a credibilidade dos resultados eleitorais sem evidências de fraude". O fato de um dos dois maiores partidos dos EUA ser um ator "semileal" à democracia faz do país um caso "claramente problemático", apesar de estar longe do "colapso".
Mais de dois terços da população mundial vivem neste momento em democracias em erosão ou em regimes autoritários ou híbridos, segundo o IDEA, destacando as diferenças entre cada continente.
A Europa, diz o relatório, vive um processo de estagnação democrática, enquanto a Ásia e o Pacífico passam por uma clara regressão e uma "solidificação" do autoritarismo. Já a África permanece "resistente" à instabilidade, e registra melhorias em países como Gâmbia, Níger e Zâmbia.
Texto retirado do site Deutsche Welle.