Mesmo com os inúmeros riscos da travessia ilegal da fronteira do México com os Estados Unidos, o número de brasileiros que decide apostar na chegada ao país para iniciar uma nova vida ainda é alto. De acordo com uma investigação desmantelada no começo de fevereiro, um grupo de quatro brasileiros pretendia partir ainda no feriado do Carnaval para os Estados Unidos; há poucas semanas, em um caso separado, a professora fluminense Najla da Cunha Salem, de 43 anos, desapareceu ao fazer a travessia.
A última investigação revelada sobre a imigração ilegal de brasileiros para os EUA começou na pequena cidade de Piracanjuba, no interior de Goiás, que entrou da Polícia Federal há cerca de três anos, quando tiveram início as investigações que culminaram na Operação Coiote.
Pedido de vistos acima do normal
A polícia percebeu que Piracanjuba, que fica há 74 quilômetros de Goiânia e tem 24 mil habitantes, tinha uma quantidade acima do normal de pedidos de visto de turismo feito por militares, algo que, mais tarde, descobriu-se tratar de documentos falsos fabricados por uma quadrilha. A peculiaridade levou ao monitoramento do IP do computador que enviava do pequeno município de Goiás os protocolos de pedidos de vistos ao consulado americano. Foi aí que a cidade se tornou o ponto de partida da investigação.A rota de imigração ilegal que parte de Piracanjuba é comparável em número de casos e relevância para as investigações policiais com Governador Valadares (MG), o maior polo de imigração para o território norte-americano. Foi em Piracanjuba que a Polícia Federal cumpriu, no dia 10, dois dos seis mandados de prisões preventivas expedidos durante a Operação Coiote, que desmantelou uma quadrilha responsável por transportar 49 brasileiros de forma clandestina para os Estados Unidos.
O esquema desmontado na cidade goiana era operado por agências de turismo localizadas em Goiânia e Governador Valadares, que cobravam até R$ 30 mil para conseguir o visto de turismo por meio de documentos falsificados (embora outras informações estimam que o valor seja mais alto). As viagens eram operadas por coiotes. Entre os documentos falsos usados para driblar as exigências do consulado americano, a polícia encontrou contratos de trabalho forjados, declarações de Imposto de Renda fictícias e até vínculo falso com o corpo consular brasileiro e o Exército. Sem o visto, os imigrantes arriscam a sorte e se submetem a uma arriscada viagem de até 15 dias, que inclui situação de cárcere privado para evitar que chamem a atenção da polícia ou desistam no meio do caminho. Um desses coiotes, José Antônio Spinoza, mexicano com cidadania americana, está foragido e foi incluído na lista de procurados da Interpol.
De acordo com as investigações, Spinoza recebia os clandestinos brasileiros em solo mexicano. Eles partiam de Piracanjuba, Goiânia, Aparecida de Goiânia, Governador Valadares, Uberlândia (MG), Vitória (ES), Rio de Janeiro (RJ) e Vilhena (RO) até o aeroporto internacional de São Paulo, onde embarcavam em voos regulares até a Cidade do México. De lá, a quadrilha cruzava mil quilômetros com os imigrantes em carros e vans até Reynosa, na fronteira com o Estados Unidos. Essa última etapa da viagem é a mais tensa. Segundo depoimentos colhidos pela Polícia Federal, os grupos ficam presos em casas de famílias mexicanas durante dias esperando o melhor momento para cruzar a fronteira e chegar à cidade de McAllen, no Texas. A travessia é feita a pé e chega a levar até quatro dias.
A Operação Coiote encontrou imigrantes brasileiros ilegais nas cidades em Seattle, Washington, Atlanta, Newark, na região metropolitana de Nova York, Kansas e Missouri. Das 49 pessoas que encararam a viagem nos últimos três anos, ao menos dez permanecem nos Estados Unidos, segundo estimativas da Embaixada Brasileira.
Uma perigosa travessia
Uma viagem que começou meses atrás terminou em pesadelo para os familiares daprofessora de inglês Najla Salem, de 43 anos, de Volta Redonda (RJ), desde que ela parou de dar notícias no dia 1º de fevereiro.
Najla teria pago $20 mil dólares a um agenciador de coiotes em Minas Gerais. Ela tentava atravessar a fronteira dos EUA com o México, na região desértica do Texas, com um grupo.
No último telefonema ao namorado, um brasileiro que vive em Nova York, a fluminense dizia que já estava em solo americano e se preparava para uma caminhada de 20 quilômetros. Relatos dados pela família da professora à imprensa brasileira, dão conta de que o namorado recebeu um telefonema dias depois dizendo que Najla teria morrido. As hipóteres seriam de que ela teria sofrido uma parada cardíaca ou foi morta porque um dos agencidadores não teria passado o valor combinado ao guia.
Preço da travessia
Há 15 anos, o carioca Mesaque Bastos, de 43 anos, fez a travessia do deserto em um tempo em que, segundo ele, “poucos brasileiros se arriscavam”. Ele foi guiado por conhecidos de um patrão e conta que caminhou por nove horas no deserto, sobre as dunas de areia.“Éramos quatro pessoas, dois homens e duas mulheres. Foi uma travessia tranquila,
mas com temor, pois passar pelas dunas de areia à noite é muito perigoso, devido aos buracos que as cobras fazem. Se pisasse num desses buracos, com certeza seria mordido”, conta ele, que hoje vive em Orlando e ainda não conseguiu se legalizar.
“Um fato curioso que aconteceu na viagem foi que comprei um pacote de água pra todos e o rapaz que estava encarregado de levar, acabou deixando dentro do taxi que nos levou até a entrada do deserto de areia”.
Mesaque diz que foi um milagre que o salvou: “Eu tinha um tubo de pasta de dente no meu bolso, e comecei a chupá-la. Foi provisão de Deus, porque como eu ia carregar uma pasta de dente no bolso? Mas consegui atravessar sem problema de imigração, pois eu acho que não era tão vigiado como hoje”.
Mesaque relata que na época de sua travessia, no ano 2000, pagou $2.500 dólares para coiotes. Ele afirma que não se arrepende de ter feito a travessia, mas que hoje não faria de novo.
“Eu consegui ajudar meus pais e minha filha no Brasil, desde que cheguei aqui”, avalia o carioca, que trabalha em construção civil. “Mas digo uma coisa: não faça a travessia, pois vidas são perdidas ali o tempo todo. As pessoas que estão na fronteira são más e estão ali para sequestrar e matar pessoas”.
Com informações da “Veja”.