por Francisca Paula Soares Maia
Venho lecionando português como língua não-materna há vários anos, para alunos das mais diversas nacionalidades, e uma das perguntas sempre presente está relacionada ao sotaque. Apresentam-se bastante curiosos em relação aos diversos modos como os brasileiros pronunciam as palavras e dão entonação às frases.
A palavra sotaque (em espanhol acento, em inglês accent) indica a forma como uma pessoa, um grupo de pessoas de uma região, ou mesmo toda uma região costuma pronunciar as palavras e as frases. Por exemplo, dizem que alguns sotaques são mais chiados, como a fala dos cariocas, moradores do Rio de Janeiro, que outros são mais cantados, como a fala dos gaúchos, no sul do Brasil, que outros são mais “arrastados” como a fala dos mineiros, na região sudeste do Brasil, e dos baianos, na região nordeste. De fato, pesquisadores têm mostrado que essas variações na fala do brasileiro existem, mas que não são tão concentradas, ou seja, não são apenas os cariocas que chiam, também os moradores de Belém, no Pará, região norte, e os brasileiros de Florianópolis, sul do Brasil chiam. Esse sotaque é resultado de um processo na produção do “S” chamado palatalização. Em vez de a palavra, por exemplo, casca, ser pronunciada com o som de “S” da palavra “sala”, a pronuncia dá-se como se fosse um “X”, na palavra “caiXa”, ficando “caXca”. Existe todo um conjunto de símbolos da área da Ciência que estuda os sons da fala, a Fonética, para representar esse (e outros fenômenos sonoros da fala humana), aqui apenas demonstrados a partir de letras correspondentes aos sons a que nos referimos, em atenção ao estilo do texto.
O que merece toda a nossa atenção é que, em geral, quando alguém ouve uma pronúncia chiada, logo atribui ao falante a identidade de carioca, o que, conforme vimos acima, nem sempre corresponde à verdade. Por que isso acontece?
Costumo dizer que isso acontece pelo tipo de conhecimento que circula na sociedade em geral, até em nível internacional, o qual na maioria das vezes é limitado a um estereótipo e fragmentado, pois oferece apenas uma parte da informação aos cidadãos da aldeia global. Isso, no entanto, não deve ser atribuído a uma “maldade social”, mas a limitações que vem sendo cada vez mais rompidas com o advento da internet como meio de comunicação e como canal de veiculação dos conhecimentos produzidos por pesquisadores. Por exemplo, na área da Dialetogia e da Sociolinguística, muitos pesquisadores brasileiros vem revelando que falante faz qual uso e onde, em trabalhos como o intitulado Atlas Linguístico do Brasil, favorecendo a ruptura com estereótipos e preconceitos linguísticos.
A partir do exposto, busco mostrar aos meus alunos que é importante compreender as variações sonoras (da palavra, da entonação da frase) de um falante, de uma comunidade, de uma região, de modo a ampliarmos nossos conhecimentos e possibilidades de interação com outros seres humanos, nessa aldeia global onde vivemos todos.
*Francisca Paula Soares Maia é professora de Português Língua Adicional/Estrangeira na Universidade Federal da Integração Latino-americana, Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil. Possui doutorado e mestrado em Estudos Linguísticos, com ênfase em Sociolinguística Laboviana, e especialização em Alfabetização e Letramento. Atualmente é também pesquisadora do Programa de Escolas Interculturais de Fronteira, com ênfase em bilinguismo, interculturalidade e integração. Coordena pesquisa na área e extensão de ensino de língua portuguesa estrangeira.
Se você é professor e deseja fazer parte da American Organization of Teachers of Portuguese, AOTP, visite o site www.aotpsite.net ou entre em contato pelo e-mail [email protected].