Secretário de saúde do Maranhão, Carlos Lula, fala sobre trajetória e desafios

Por Gazeta News

À frente da Secretaria Estadual da Saúde do Maranhão, Carlos Lula, fala sobre os desafios de uma boa gestão hospitalar e melhorias nos atendimentos na rede pública do estado. Advogado, Consultor Legislativo da Assembleia Legislativa do Maranhão, Carlos Lula é também Doutor Honoris em Gestão em Saúde Pública, Doutor Honoris em Ciências Jurídicas, Professor Universitário, Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas e da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP. Servidor do povo do Maranhão no cargo de secretário de Estado da Saúde, Carlos Lula é responsável pela gestão da rede e dos recursos financeiros do SUS em atendimento a uma demanda que ultrapassa 7 milhões de pessoas no estado. Sua história e trajetória Carlos Lula- Eu sempre fugi da política. Tentei escapar dela por uma porta, mas sempre outro caminho aparecia para me levar até ela. Na época da minha graduação em direito, eu participei do Movimento Estudantil, eu via nele uma maneira de melhorar o meio onde eu me encontrava, sendo um mecanismo de mudança das estruturas da universidade, que eram muito deficientes. Na época, eu observava o Movimento Estudantil com credibilidade, eu me espelhava naqueles estudantes que atuavam para construir um curso melhor, para construir uma universidade melhor. Eu entrei no Movimento Estudantil com este sentido e, quando acabou a eleição, ganhamos o cargo de presidente do Centro Acadêmico e eu me tornei um dos coordenadores - já tínhamos essa ideia de gestão coletiva. Com o tempo, eu tive receio de perder meu rumo na universidade, então passei o bastão para um pessoal mais novo, que estava entrando no curso de . Quando terminei a graduação, eu achava que havia deixado esse lado da política. Eu observei que o Movimento Estudantil já era um pouco contaminado pelos partidos políticos. Mas, por acaso, me tornei professor de direito eleitoral de faculdade. Eu era recém-formado quando me fizeram a proposta para assumir a disciplina de direito eleitoral, faltando apenas quatro dias para iniciarem as aulas. Eu respondi ao convite no outro dia porque eu nunca havia estudado direito eleitoral na minha vida. Então, eu fui à livraria, comprei todos os livros disponíveis na loja sobre o tema, passei o final de semana estudando e cheguei na segunda-feira pronto para dar aula. Duas coisas ficaram nítidas para mim: os livros eram muito ruins e não havia condensação da doutrina do direito eleitoral. Não havia um livro para servir como guia para a turma de graduação nem servir de referência. Então, para as primeiras turmas, eu comecei a escrever uma apostila, que no final do primeiro semestre passava das 100 páginas. Este conteúdo tornou-se o embrião do meu primeiro livro ‘Direito Eleitoral’. A disciplina acabou abrindo portas para advogar na área, que logo descobri ser uma área muito escassa de profissionais com essa expertise. O fato de ser professor, de dar aulas em outras faculdades, de ter meu livro referenciado dentro e fora do Maranhão – permitiu que eu tivesse acesso a clientes e ao mundo da política. Eu ingressei para a política de outra forma – sendo professor de direito eleitoral, trabalhando para políticos e, ainda, passei no concurso para consultor legislativo na Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão. Então, mesmo eu fechando aquela porta para a política naquele instante em que deixe o Movimento Estudantil, abriu-se uma grande janela depois – seja trabalhando na Assembleia, seja advogando para políticos. Em razão disso, eu acabei sendo advogado do atual governador do Maranhão, Flávio Dino, desde sua primeira campanha, em 2006, e nas candidaturas a deputado federal, prefeito e nas vezes que se candidatou a governador. Em razão disso, no primeiro mandato de governador, em 2015, eu recebi o convite dele para compor os quadros do governo. Fui para a Casa Civil, onde ocupei o cargo de secretário adjunto de Assuntos Jurídicos. Por ironia do destino, eu fiz parte do grupo que fez auditoria na Secretaria de Saúde, logo no início do governo, e, posteriormente, me tornei subsecretário da Saúde. Depois disso, meu tornei presidente da Empresa Maranhenses de Serviços Hospitalares e, por fim, estou secretário de Estado da Saúde, desde abril de 2016. A princípio eu vim para passar três meses, mas ultrapassei os três anos e me identifico – saímos do ramo do direito eleitoral, mas não do ramo do direito público. O curioso é que ao chegar na Saúde, eu me ressentia de ter uma visão global dos processos de trabalho dela. Lógico que a Saúde precisa de um gestor que tem visão de SUS, dos sistemas de saúde e da grande complexidade que é fazer saúde pública. Mas também depende de alguém que colocasse a máquina no trilho. Se a gente pensar na vida como um trem, que segue um caminho – há quem suba ou desça, há também os que observam um pedaço do caminho, alguns param na viagem muito cedo, outros não. Eu diria que o trem da Secretaria estava fora dos trilhos há muitos anos. Ele precisava voltar ao caminho trilhado pela legislação, pelas exigências, a gente precisava ter mais controle, melhorar conceitos de trabalho, ser mais ágil. Esse trabalho é contínuo, lógico, mas melhoramos muito o sistema de trabalho da Secretaria. O que permite também a melhora na atividade meio e fim, que é a prestação de serviço para a população. Qual lacuna seu trabalho preenche? Carlos Lula- O trabalho de qualquer Secretaria de Saúde preenche a lacuna de séculos de omissão do estado brasileiro no setor saúde. Até 1922, a gente não tinha nenhuma política estatal voltada para a área da saúde, a não ser campanhas de vacina e cuidados sanitários referentes a indústria, para portos. Desde o início, desde 1500 até 1922, depois já de iniciada a República, a gente não tem uma ação do Estado voltada para a saúde. Se inicia uma ação de saúde a partir de 1923, com a lei chamada lei Eloy Chaves, que institui o sistema de previdência para os ferroviários. A primeira ação voltada pelo Estado de tentar montar algo voltado a saúde pública. De 1923 até 1988, a gente tem uma ação do Estado que ela é elitista e injusta porque só tinha acesso ao sistema de saúde público os trabalhadores com carteira assinada. Os trabalhadores que estavam na informalidade, os trabalhadores rurais, sobretudo, os desempregados, ou seja, a maior parte da população não tinha acesso aos mecanismos oficiais do Estado para ter acesso a saúde. Eles dependiam da caridade ou de instituições religiosas. Daí a profusão de Santas Casas de Misericórdia que a gente tem no Brasil, unidades essenciais voltadas para os pobres. Somente a partir de 1988, com a criação do SUS, você passa a ter um sistema universal em que ninguém depende de recurso para ter acesso ao sistema de saúde. Pela primeira vez o estado brasileiro oferece saúde pública a todos, sem distinção. Não foi algo simples, fomos o primeiro país com mais de 100 milhões de habitantes a adotar um sistema universal de saúde. Então, o meu trabalho preenche uma lacuna de 400 anos, ou melhor, de quase 500 anos. Porque o estado brasileiro efetivamente passa a tentar construir um sistema público universal de saúde. São apenas 31 anos de um sistema com muitos problemas, mas inúmeras vitórias para o cidadão brasileiro. E dentro do Maranhão, poderia destacar como o seu trabalho preenche essa lacuna? Carlos Lula- A atuação precisa ser ainda mais eficaz e urgente, pois são décadas de omissão do estado no tocante a saúde pública maranhense. Por isso, a inauguração de tantos serviços nesta gestão nos últimos cinco anos - hospitais regionais, serviços inéditos de cuidados, expansão da assistência aos pacientes crônicos, distribuição de unidades pelo estado. Só tivemos condições de montar essa grande rede porque havia um grande vazio assistencial na imensidão do estado do Maranhão. Pela primeira vez passamos a oferecer Unidade de Terapia Intensiva em cidades que nunca tiveram, passamos a fornecer serviços em locais que nunca tiveram atendimento especializado, e cuidados, sobretudo o melhor cuidado possível em regiões que nunca experimentaram uma assistência humanizada. Isso tem nos levado a melhora dos nossos indicadores de saúde. Melhoramos, mas ainda estamos muito abaixo da média dos demais estados brasileiros. E falando nisso, quais são seus maiores desafios? Carlos Lula- O maior desafio é construir num SUS altamente subfinanciado um sistema que seja justo, humanizado e preste um bom serviço, um bom atendimento. A gente não pode imaginar que o SUS é apenas um corredor de hospital lotado. Eu acho que o SUS pode dar certo e tem que ser mais valorizado também pela população. E dizer assim: “esse serviço aqui é bom”, “esse serviço funciona”, “esse serviço tem um ótimo atendimento”, “esse serviço me contempla”. A gente poderia também passar a elogiar e não só criticar o que a gente tem no serviço público. Talvez o que eu mais tenha aprendido no tempo em que estou na Secretaria de Saúde é a valorizar o serviço que a gente dispõe. Provavelmente, em outros tempos, eu tenha sido ácido demais com aquilo que o Estado um dia me ofereceu, sem entender até as limitações do próprio Estado. Eu acredito que a gente tem sempre que buscar melhorar, mas, às vezes, se esquece de aplaudir as conquistas. A qualidade do serviço está diretamente ligada com o financiamento ou com o subfinanciamento? Carlos Lula- A qualidade do serviço depende de duas coisas. Eu sempre digo que o SUS precisa de mais dinheiro, mas também tem um SUS que pode ser feito com o dinheiro que se tem. É possível gastar melhor o dinheiro que se tem, e esse também é um desafio todo dia do gestor público: como fazer mais com os poucos recursos que ele tem. O problema do estado brasileiro é não saber lidar cientificamente com política pública. Política Pública não pode ser achismo, Política Pública não pode ser meia vontade. A Política Pública pode ser modificada porque a população faz isso na eleição. Ela modifica o rumo da Política Pública porque o país não está no rumo certo, o Estado não está no rumo certo. Mas a Política Pública que o gestor toca no dia-a-dia, ela deve ser comprovada cientificamente com resultados, com dados, ela não pode ser apenas fruto da ideologia de quem ocupa, momentaneamente, o lugar de poder. Ela deve resultar em melhoria para a população, se ela não resultar, então está errada. Uma história interessante Carlos Lula- Ah, temos muitas. Eu poderia citar as coincidências da vida. No sul do estado, existe a Região de Saúde de Balsas, onde estão inseridas 13 cidades, onde a mortalidade materna era de 170 para 100 mil. O índice era mais que o dobro da média brasileira, e quando eu olhava aquele número eu me assustava. Colocamos como desafio reduzir esse número. Em 2018, nós conseguimos zerar o número de mortes. Completamos um ano sem nenhuma mãe morrer na Região de Balsas. Antes disso, a última grávida que morreu, deu à luz um casal de gêmeos. Sem imaginar que um dia eu pudesse encontrá-los, quando estive na cidade de Balsas para comemorar o índice, tive a oportunidade de conhecer as crianças e o familiar que ficou responsável por elas, e, ouvir um pouco daquela dor. Este foi um caso que me tocou muito por que ficou como referência do passado que a gente não quer ver repetir. É uma história de dor, mas é também de superação. Superação do próprio Estado para mostrar que é possível fazer mais pela saúde pública. O fato de termos zerado esse número de mortalidade materna em Balsas tem obtido reconhecimento nacional e internacional. Qual é a sua mensagem para pessoas que poderiam se beneficiar do seu trabalho? Carlos Lula- Não desistam do SUS! Sabemos o sistema possui muitos problemas, além de subfinanciado, mas um sistema público universal e gratuito como o SUS é uma conquista na sociedade brasileira. A vacinação, o transplante, o sistema de proteção a pacientes com HIV/AIDS, que mudou a forma de cuidar dessas pessoas em outros lugares do mundo – o SUS é reconhecido internacionalmente como o melhor sistema nesses assuntos. Não podemos simplesmente achar que não é um sistema bom por conta de problemas que se enfrenta no dia a dia. O SUS deve melhorar sua rede de urgência, e, principalmente, a rede de cuidados na Atenção Primária. Se melhorar esse cuidado primário com certeza resultará em melhores indicadores de saúde e satisfação da população. Então eles têm que acreditar no SUS ou acreditar nos gestores? Carlos Lula- Eu acredito que deve acreditar no sistema. Nos deparamos com gestores que não são bons. Se não acreditar no gestor, não acredita na política. Eu acredito na política enquanto mecanismo racional que pode guiar as multidões rumo ao caminho que não seja o caos e a barbárie. Fora da política, só resta a barbárie, é a luta de todos contra todos. Eu não acredito nisso. Por maior número de problemas que se possa ter com gestores, com secretários, com a classe política, não se pode confundir o gestor com o sistema. O sistema existe, está em crise, mas não pode ser simplesmente jogado fora, ainda não se inventou algo melhor. O que espera do seu trabalho nos próximos 5 anos? Carlos Lula- Deixar um legado de construção de saúde pública regionalizada para o estado do Maranhão. Ser possível dizer no futuro que a gestão estadual do Maranhão acreditou que era possível fazer saúde pública com decisão técnica, tomar decisões com base em evidências. Quero ter certeza que reconstruímos um sistema que era muito deficitário. Daqui a cinco anos espero ter entregue outros hospitais regionais, que estão sendo construídos, e não haver déficits dessas unidades para atendimento de média e alta complexidade no Maranhão. Obter resultados melhores dos nossos indicadores de saúde, principalmente de mortalidade materna e mortalidade infantil. Além disso, reduzir a zero índice de novos casos de hanseníase. Tudo isso é possível, é o legado que eu desejo entregar em resposta a confiança do governador Flávio Dino e do povo do Maranhão em minha pessoa, enquanto gestor da Saúde.