Adriana Tanese Nogueira*
Os tempos mudam: raciocínios quadrados e lógicas impecáveis (quando existem) não são suficientes. É preciso mais. Relações conturbadas e sintomas psicológicos e psicossomáticos demonstram que, além da racionalidade, outra habilidade se faz indispensável para o bem viver. Algo que, por falta de hábito e por ignorância, não se aprende e não ensina e ao qual se não se dá a devida atenção.
Empoleirados nos suportes do pensamento racional, olhamos lá do alto com desdém ou com compaixão para as esquisitas manifestações daquela dimensão do Ser considerada inferior e chamada “emoção”, na qual incluo, nesse contexto, também os sentimentos. Utilizando o arsenal de ferramentas disponíveis, consideramos as formas convolutas, coloridas e variadas das emoções que fluem num trânsito constante entre o mundo de dentro e o de fora, e as interpretamos do nosso jeito. A mentalidade na qual crescemos oferece uma série de respostas para cada uma das figuras que enxergamos. Basta abrir uma gaveta lá no alto do nosso poleiro de acordo com afinidades vagas, simpatias e antipatias subjetivas e eis que temos uma “explicação”. Logo, fecha-se a gaveta, retira-se o foco do que está “embaixo”, e cuida-se do que “importa”, ou melhor volta-se a seguir o trilho de sempre, volta-se dentro da bolha mental dos pensamentos de sempre.
Este comportamento pode ser comparado a um estudioso que aborda a natureza do ponto de vista da geometria e, inclusive, só dispõe de umas poucas formas, quadrado, retângulo, círculo. Suas lentes psicológicas permitem enxergar somente o que couber aproximadamente nessas formas. O resto é descartado por desinteresse e por falta de condições (conceitos) para ser compreendido. De fato, não se pode ver o que os olhos não têm formação para ver, assim como não se pode agarrar uma caneta sem coordenação motora adequada. Entretanto, a experiência psicológica e somática demonstra que essa dimensão do Ser – emoções e sentimentos - joga um papel estratégico no nosso bem-estar, no sentido da nossa vida, nas relações que temos, na felicidade e frustração que acarretamos para nós mesmos e os outros. Manter a visão “aproximada” de algo tão decisivo é no mínimo irresponsável.
A dificuldade em lidar com emoções e sentimentos depende de dois motivos que se interlaçam e se influenciam reciprocamente. Por um lado, falta educação emocional e sentimental, a qual, entretanto, não pode acontecer se continuar no poleiro olhando de cima com ar de superioridade. A humildade é uma exigência, é preciso “descer” no plano da emoção/sentimento para olhá-la de perto e aprender sua linguagem. Esta atitude requer disposição de espírito, abertura e superação de preconceitos. Por outro lado, não somos meramente esse ego bem intencionado cujo único problema é a dificuldade de “sacar-se”. Por trás dessa primeira camada da psique, existe o simples e bruto interesse que visa manter as coisas como estão, porque emoções e sentimentos desestabilizam. Relacionar-se com eles significa passar de uma posição estática frente a si mesmo e à vida para uma dinâmica, flexível e disposta à mudança. Emoções e sentimentos nunca são inócuos, sempre provocam alguma mudança.
É aí que se revela a verdade. Até que ponto é falta de conhecimento ou falta de vontade? Quem tem medo das emoções e sentimentos? Aqueles que não querem/não podem questionar a si próprios, às próprias crenças e decisões porque sairiam de sua zona de conforto. Essas pessoas caminham pela vida como retardadas emocionais. Podem até ser racionalmente inteligentes, mas serão emocionalmente retardadas se ignorarem e reprimirem suas emoções.
Por retardo emocional se entende então a inabilidade de lidar com e compreender as próprias emoções e sentimentos – o que implica não saber fazer o mesmo com os dos outros. Essa deficiência nasce de um vazio educacional cultural a respeito, mas se fortalece pelo medo frente ao desconhecido. Consequência dessa ignorância é a cegueira pelo que está nas entrelinhas em toda relação e a surdez diante do que, por exemplo, os outros sentem mesmo quando estão chorando na nossa frente. Escolhas mal feitas e caminhos errados também fazem parte do mesmo problema.
Que eu saiba, o único modo efetivo para desenvolver este aprendizado e sair do handicap emocional e sentimental é através daquele tipo de psicoterapia que é como um laboratório vivente. Uma análise desse tipo faz-se sem dogmas e teorias prontas, mas de maneira empirista e experimental, discernindo e distinguindo, observando de perto e analisando, fazendo perguntas e buscando respostas novas, porque cada pessoa é única e cada momento irrepetível.
*Adriana Tanese Nogueira é psicanalista e life coach
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