A ampliação do número de membros permanentes no Conselho de Segurança da ONU, a grande prioridade da política externa do governo Lula, ficou fora do documento que será assinado pelos 170 líderes que a partir de hoje se reúnem na Cúpula Mundial 2005 em Nova York, durante a 60 Assembléia Geral das Nações Unidas. Depois de uma maratona de negociações, os representantes de 191 países conseguiram aprovar no fim da tarde de ontem um texto de consenso sobre a reforma da ONU, bem distante da pretensão de revolucionar as Nações Unidas para fortalecê-la e capacitá-la a mediar os conflitos no século XXI.
Prevaleceu a posição americana de só tratar da reforma do principal fórum da ONU depois de resolvidos outros temas considerados mais importantes para a diplomacia dos EUA. No texto, no artigo 153, faz-se referência a uma reforma do Conselho em breve e à disposição de avaliar no fim do ano os progressos alcançados.
— Tanto o Brasil quanto o secretário-geral Kofi Annan queriam dar um prazo até o fim do ano, mas a menção a uma reforma em breve não foi considerada má — disse o embaixador Antonio Patriota, subsecretário-geral de Assuntos Políticos do Ministério das Relações Exteriores.
Segundo ele, o G-4 (grupo formado por Brasil, Alemanha, Japão e Índia), que propôs a criação de mais seis vagas permanentes no Conselho de Segurança, preferiu manter uma posição discreta e esta semana terá um encontro com o objetivo de definir os próximos passos para prosseguir com a candidatura dos quatro países.
As iniciativas brasileiras de combate à pobreza são citadas, mas não foi aumentado o compromisso dos países desenvolvidos com as metas do milênio de reduzir à metade a fome no mundo até 2015. O texto se limita a uma enumeração de boas intenções e comemora o desejo de alguns países de aumentar a ajuda às nações mais pobres, sem, no entanto, fixar cronogramas ou especificar valores. No geral, foi considerado um retrocesso em relação à Declaração do Milênio, ratificada em 2000 pela ONU.
— Estou decepcionado — disse o embaixador Ronaldo Sardemberg, chefe da missão brasileira na ONU.
No geral, há pouco o que comemorar. É a maior reunião de chefes de Estado da história da ONU, mas a proposta de reforma da organização reflete a preponderância dos Estados Unidos e a profunda polarização da cena internacional. Bombardeados por 500 emendas apresentadas há duas semanas pelo embaixador americano ao texto que vinha sendo discutido desde março, os diplomatas tiveram de reduzir as ambições de mudanças da organização em nome de um consenso.
Manobra de Ping salva documento
A declaração final é uma repetição de compromissos já assumidos anteriormente: dos 178 parágrafos, 38 começam com a expressão “reafirmamos que”. Mesmo assim, o documento só saiu porque, numa manobra diplomática, o presidente da Assembléia Geral, Jean Ping, fez circular um texto sob sua inteira responsabilidade entre o grupo de 32 embaixadores responsáveis pela negociação do acordo e conseguiu uma boa reação, embora sem ter a declaração de apoio dos EUA. Levado à Assembléia Geral, o texto foi aprovado e salvou a organização de um constrangimento ainda maior, o de iniciar a cúpula sem um documento para apresentar aos líderes.
Do documento constam 11 parágrafos sobre terrorismo, mas os países islâmicos conseguiram modificar a redação final: os negociadores mantiveram a condenação do terrorismo “sob todas as formas”, porém tiraram a consideração de que ataques a civis eram injustificáveis, em troca da supressão da menção a guerras de libertação, como o caso palestino. Desapareceram também as referências ao Protocolo de Kioto, ao Tribunal Penal Internacional e ao desarmamento das grandes potências, como defendiam os EUA. No capítulo sobre os valores e princípios internacionais é garantida a autodeterminação dos povos, mesmo em caso de ocupação estrangeira.
— O item que ficou faltando foi sobre a não-proliferação nuclear e o desarmamento. Esta é a real desgraça — disse Annan.