Convenhamos: há pais e mães ruins. Ninguém gostaria de tê-los, pouquíssimos adimitem tê-los, mas é a realidade. O fato de gerar uma criatura não nos torna automaticamente pessoas melhores. É preciso lembrar que pais e mães são pessoas, exatamente como seu vizinho, seu colega de trabalho e seu inimigo. Pessoas.
É do ser humano a tendência a evoluir, a individuar-se e conscientizar-se. Mas é também do humano uma certa “preguiça” para encarar todo esse “trabalho”. Evoluir custa esforço, significa às vezes quebrar a cara, questionar-se, arriscar-se, sentir-se inseguro... É das pessoas menos conscientes evitarem o “desconforto” que o autoconhecimento gera e fugir do “exame de consciência” indispensável para evoluir. Além disso e infelizmente, é também das pessoas se aproveitarem dos lugares de poder de que gozam: quanto menos são vistas, mais o ladinho malandro, egoísta e mesquinho predomina. Menos consciência = mais malandragem, é uma regra infalível.
É fácil encantar-se com um bebê. Ele é pequeno e fofo, e sorri como um anjo. Mas ele também berra e dá muito trabalho. Uma mãe pode se apaixonar pelo bebê-boneca e encontrar nisso uma fonte de sentido para a vida, pelo menos momentaneamente. Entre os homens, muitos são ainda os que não conseguem se vincular a uma criança tão pequena e sentem, inclusive, ciúmes da atenção que ela exige da mãe.
Então, a fase bebê passa e essas crianças revelam-se pessoas, novas pessoas com as quais é preciso aprender a lidar. Como todas as relações, esta também demanda dedicação, atenção, tempo, disponibilidade e questionamento. Por isso, quantas vezes não é mais fácil mandar calar a boca? Dar um brinquedo? Ignorar? Manipular a conversa, inventar desculpas, desconversar?
Não existem pais e mães perfeitos, mas existem pais e mães ruins. São aquelas pessoas que não são capazes ou não querem se abrir, se envolver, se dedicar. Não sabem amar. São pessoas que se perderam em seus próprios labirintos e não tiveram a capacidade de olhar para o outro, seu filho.
Sabem de uma coisa? Paciência. Já era, já passou. Tem como superar isso, uma boa terapia resolve. É preciso libertar-se da mística da maternidade e da paternidade. Há pessoas na vida que nos fazem melhor do que nossos próprios pais. E amém.
Ao invés disso, há mães e pais que inventam mil e uma artimanha para esconder a falha escancarada do outro genitor e “proteger” os filhos da verdade. Para quê? Quem ganha com isso? Sinceramente, quantas pessoas cada um conhece que passa décadas tentando se libertar de algum trauma ou complexo relacionado ao pai ou à mãe?
Vivemos no sentimentalismo mítico e totalmente inverídico do pai e da mãe como se fossem o Papai e a Mamãe do Céu: perfeitos, bonzinhos e generosos. Mentira. Se é verdade que pai e mãe representam algo maiores do que eles (os arquétipos do Pai e da Mãe presentes na psique e que têm importante funções), logo temos mais uma razão para não tentar identificar à força um ideal com a pessoa concreta: desta forma, fechamos o caminho para encontrar os modelos interiores positivos. O resultado é que as relações pais-filhos, muitas vezes, são as mais neuróticas e doloridas que uma pessoa tem na vida, e acabam sendo reproduzidas no seio de sua própria família. Novamente escondendo e escondendo-se da verdade.
Qualquer animal pode ser pai e mãe, é do corpo, não precisa de intenção nem de consciência. Outra coisa, e muito mais complicada, é ser mãe e pai de verdade, adultos responsáveis. Para isso é preciso ter a matéria prima: pessoas dispostas a crescer, se trabalhar e mudar. Pessoas disponíveis à consciência.