A crise bateu à porta dos brasileiros de todas as classes sociais e o país parece viver um caos política e economicamente. Não bastassem os escândalos envolvendo políticos e empreiteiras, sujando mundialmente o nome da Petrobras, antes motivo de orgulho nacional, os dados econômicos divulgados a cada semana tem transformado o país em um “doente terminal”, conforme descreveu o editorial do jornal britânico “Financial Times”, esta semana. “Os rins já pararam; o coração vai em breve”.
E o cenário não é visto dessa maneira somente por uma ala pessimista. Não. A aprovação do atual governo não chega mais a 8%, segundo mostram pesquisas, e prova que a crise chegou aos lares brasileiros de todos os níveis sociais.
A inflação apontando para 9,57% no acumulado dos últimos 12 meses, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o aumento das tarifas de luz e água (que beira os 43% em algumas regiões) e a desaceleração da economia tiveram um impacto negativo na vida da população. E o pesadelo parece interminável.
Dias após a agência de rating Standard & Poor’s rebaixar a nota de crédito do Brasil, o que fez com que o país perdesse o grau de investimento e retirasse o selo de bom pagador, nesta semana o Relatório Focus mostrou economistas ainda mais desanimados, passando a estimar uma retração de 2,55% do Produto Interno Bruto (PIB). Foi a nona queda seguida deste indicador. Se confirmado, será o pior resultado em 25 anos.
Juros, cortes e greves
Além das taxas de juros para pessoa física terem atingido 350,79% e o cheque especial, 218,67%, com previsão de ambas continuarem subindo, o consumidor deve preparar ainda mais o bolso. Pouco depois de ter a nota de investimento do Brasil rebaixada, o governo anunciou um plano de ajuste fiscal propondo um aumento de R$ 40,2 bilhões na arrecadação, sendo R$ 32 bilhões provenientes de uma nova Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Se aprovada pelo Congresso, a alíquota de 0,2% sobre qualquer movimentação financeira será cobrada por pelo menos quatro anos para ajudar a cobrir o rombo da Previdência.Outra medida anunciada pelo governo foi o corte de R$ 26 bilhões nas despesas, o que não foi bem digerido pelos servidores federais, que terão reajustes de salário adiados para agosto de 2016. O Fórum dos Servidores Públicos, que representa 90% dos servidores federais, prepara manifestações e ameaça entrar em greve.
Ainda no assunto greve, servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estão há mais de dois meses em paralisação e sem previsão para voltar ao trabalho.
Professores universitários e funcionários das instituições federais também estão em greve
desde 28 de maio. Entre outras reivindicações, eles exigem valorização salarial e melhores condições de trabalho. A paralização afeta a rotina de três instituições e 37 universidades federais pelo país. “Funcionários de outros órgãos conseguiram até 50% de reajuste, enquanto os professores, além de pouquíssimo aumento, ainda receberão o mesmo parcelado em quatro anos, dessa forma, não alcançando nem o teto da inflação”, desabafa o professor universitário Ricardo Niehues Buss, 35 anos, que atua no campus da Universidade Federal do Tocantins em Araguaína. Contudo, segundo ele, não é somente a valorização profissional que defendem dos grevistas. “O principal foco é protestar contra o corte na educação. Nossas universidades estão com infraestrutura precária, obras paradas e não oferecem nenhuma segurança. Até mesmo o serviço de limpeza foi reduzido”, destaca Buss.
Desemprego
A situação das indústrias também tem se agravado. Segundo o IBGE, a produção no acumulado do ano registra uma redução de 6,6%. Um dos setores mais atingidos é o automotivo. A venda de veículos novos no Brasil caiu 20,67% no primeiro semestre deste ano, em relação a igual período de 2014, segundo a Fenabrave.Se cai produção e consumo, aumenta o desemprego. O Brasil fechou o segundo trimestre com taxa de desemprego de 8,3%. Em um ano, a força de trabalho desocupada chegou a 1.747.000 pessoas. Parte desse grupo é formada por jovens que tentam uma vaga no mercado de trabalho. Com a crise, deixaram de se dedicar somente aos estudos e, agora, buscam um emprego para ajudar no orçamento familiar.
Dólar nas alturas
O real é a moeda que mais perde valor hoje no mundo frente ao dólar. Nos últimos dias, a moeda americana alcançou os R$ 3,90 e, atualmente, tem fechado os dias valendo, em média, R$ 3,85. Analistas financeiros acreditam que o dólar possa alcançar a marca de R$4,40 até o fim do ano. Mesmo ainda longe desse valor, a verdade é que o dólar turismo já chega a ser comercializado próximo disso pelas casas de câmbio.Com o dólar alto, além de os negócios que envolvem importações serem prejudicados, aqueles que tinham planos ou já viagens agendadas para o exterior também foram atingidos. É o caso do gerente comercial Edvandro Della Giustina, 32 anos, e da advogada Joice Gorges, 30.
Há meses o casal catarinense planejou uma viagem para New York e Las Vegas. As passagens foram compradas e os hotéis reservados, mas o que eles não esperavam é que o dólar subiria tão repentinamente. Há três semanas, eles pagaram R$ 3,80 por cada dólar e, no dia 15, embarcaram para os Estados Unidos com a certeza de que gastarão muito mais e comprarão muito menos do que quando estiverem em Miami, em novembro de 2012, época em que pagaram R$ 2,20 pela moeda.
“Nós não esperávamos que fosse subir nessa proporção”, conta a advogada. No dia a dia, eles também sentem o efeito da crise. “Com certeza temos sentido o aumento dos impostos, combustível e energia elétrica, além de sofrer com greves em vários setores públicos e o baixo consumo no varejo”, aponta o gerente comercial, ressaltando que o casal está cortando gastos com despesas supérfluas. Viajar deverá ser uma delas a partir de agora.
Não é a toa que os gastos de brasileiros fora do Brasil já vinham caindo nos últimos meses. Julho, mês de férias escolares, registrou queda de 30,39% nos gastos de brasileiros no exterior em comparação ao mesmo mês do ano passado, passando de $2,408 bilhões de dólares para $1,677 bilhão de dólares, informou o Banco Central (BC).
Seguindo a tendência, o plano de viajar para o exterior também foi adiado pelo professor Ricardo Niehues Buss, que afirma estar mudando hábitos para contornar a crise. “Compras no supermercado, uma saída à noite, gasolina, tudo está muito caro. Tenho deixado de comprar e fazer muitas coisas que estava acostumado. Os preços estão impraticáveis”, conclui.