Agência Brasil: O senhor citou a segurança energética entre os passos essenciais do plano apresentado pela Ucrânia. Como está o fornecimento de gás no país?
Tkach: Na verdade, o maior problema que temos na área de energia decorre de a Rússia ter adotado a estratégia de bombardear nossa infraestrutura energética. Esses bombardeios começaram antes do inverno mas, felizmente, este ano não está tão frio. Aproximadamente 50% da infraestrutura energética está destruída. Isso provoca apagões em todos os territórios da Ucrânia.
Agência Brasil: Os russos dizem que Ucrânia, Crimeia e Rússia são um mesmo povo. Qual é o nível de proximidade entre esses três grupos? São, de fato, irmãos?
Tkach: Aqui estamos falando sobre a propaganda russa. É o pretexto que o governo russo usou para começar a guerra. E continua usando para dar continuidade a ela. Explicaram isso, em um primeiro momento, a seu próprio povo. No último pronunciamento do presidente Vladimir Putin, ele repetiu essa propaganda russa, questionando a legitimidade do Estado ucraniano, bem como do apoio do povo para com o governo ucraniano.
O presidente Putin fala que o povo não está apoiando o governo da Ucrânia, mas vimos, nas últimas pesquisas de opinião, que os ucranianos apoiam o atual governo. O apoio ao presidente da Ucrânia cresceu, nesse tempo de guerra, quase 90%. Ou seja, o povo ucraniano está unido e está se protegendo.
Agência Brasil: Mas como o povo ucraniano enxerga o povo russo? São povos irmãos ou não são?
Tkach: Neste momento, segundo as pesquisas, o povo russo está apoiando as ações do seu governo. Está apoiando não só o governo, mas todo o país. Então é uma responsabilidade compartilhada pela guerra que a Rússia está conduzindo contra a Ucrânia.
Agência Brasil: Retomando a questão econômica. Qual é a relevância histórica que o porto de Sebastopol?
Tkach: O porto de Sebastopol tem uma importância histórica, mas não comercial para a Ucrânia. Ele foi uma base militar russa e é o lugar onde toda a agressão da guerra começou, em meio à ocupação da península da Crimeia pela força naval russa. Nossos principais portos comerciais são principalmente os de Odessa e de Mikolay.
Agência Brasil: Como está a situação em Odessa?
Tkach: O porto de Odessa e todos os portos do Mar Negro ucraniano estão bloqueados, mas segundo os compromissos entre a ONU, Turquia e Ucrânia – e também entre ONU, Turquia e a Rússia –, eles estão admitindo a passagem dos navios que carregam grãos ucranianos. Nesse momento, temos um atraso. Precisamos restaurar os envios porque a Ucrânia é o quinto maior produtor de produtos agrícolas do mundo. Milhões de pessoas dependem dessa produção, o que torna ainda mais necessária a volta à normalidade, com os navios saindo dos portos. Buscamos também incluir na iniciativa do Corredor Verde o outro porto da Ucrânia, que é o de Mikolay, também muito importante para as exportações agrícolas.
Agência Brasil: Na avaliação de vocês, essas sanções impostas à Rússia têm obtido o efeito desejado?
Tkach: Desde o início da guerra, nós tínhamos três pilares para terminar a guerra. O primeiro é relativo aos equipamentos militares que a Ucrânia recebe para poder se proteger. O segundo, relativo à ajuda a econômica, porque a situação é complicada e precisamos do apoio de outros países. O terceiro pilar são as sanções.
A ideia era que, com as sanções, a Rússia não conseguisse dinheiro para continuar a guerra. Muitos países adotaram essas sanções. Com isso, estamos vendo que a Rússia está tendo dificuldades para a produção de equipamentos inteligentes militares, algo bastante importante para que, em um futuro próximo, se estabeleça a paz.
Agência Brasil: Há lições ou aprendizados a serem extraídos dessa guerra? Algo poderia ter sido feito diferente para amenizar a situação atual?
Tkach: O maior problema foi que, em 2014, quando tudo começou, o mundo não reagiu do mesmo jeito como reagiu em 2022. Se tivesse agido do mesmo jeito, não haveria uma nova guerra, uma continuação, uma nova ofensiva russa em 2022.
Agência Brasil: Houve interesse da Ucrânia em integrar a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]? Chegou a haver algum tipo de sondagem visando esse ingresso?
Tkach: Os países vizinhos da Rússia estão vendo a OTAN como um mecanismo de segurança contra uma invasão. Agora já estamos vendo que, infelizmente, isso não é sem fundamento. Países estão expressando o seu desejo de ingressar na OTAN. Estamos vendo que muitos dos países que saíram da União Soviética, entendem os perigos e riscos de terem um vizinho como a Rússia.
Com a invasão em grande escala da Rússia na Ucrânia em 2022, a Suécia e a Finlândia decidiram ingressar na OTAN, vendo nisso uma garantia de segurança. A Ucrânia, em 1994, assinou o “Memorando de Budapeste”, entregando o terceiro maior arsenal nuclear do mundo em troca das garantias da sua segurança. Agora estamos vendo que essas garantias dadas pela Rússia foram violadas. Por isso, a única alternativa, neste momento, é a OTAN.
A Ucrânia, desde a sua independência, começou tratativas com a OTAN, mas nunca tinha uma definição sobre o ingresso. Há o apoio da população, conforme pesquisas de opinião. Se, em 2014, 34% dos ucranianos apoiavam o ingresso do país na OTAN, passados agora nove anos, este percentual subiu para 86% em 2023.
O país, no ano passado, apresentou uma solicitação formal de ingresso. Assim como outros vizinhos, estamos vendo isso como a única alternativa, com o propósito de termos a segurança de que ninguém vai invadir o nosso país e matar os nossos cidadãos.
Agência Brasil: Qual o retorno que vocês têm recebido da OTAN?
Tkach: Até esse momento ainda não temos a perspectiva de ingresso.
Agência Brasil: Como o senhor avalia o risco de uso de armas nucleares? Ele é real? Aumentou após a suspensão de acordos nucleares pelos envolvidos?
Tkach: Nesse momento não estamos vendo a prontidão da Rússia para iniciar uma guerra nuclear porque, acredito, vai virar uma guerra global. A Rússia voltar a desenvolver armas nucleares é um sinal de continuação da chantagem nuclear. Repito, não é a partir de 2022, mas é a partir de 2014 que a Rússia está chantageando o mundo com as suas armas nucleares.
Agência Brasil: O senhor está dizendo que a Rússia está fazendo uma ameaça, mas não acredita que ela venha a usar esse tipo de armamento? É uma espécie de blefe?
Tkach: Exatamente.
Agência Brasil: A guerra levou muitos ucranianos a se mudarem para o Brasil? Quais foram os principais destinos?
Tkach: O governo do Brasil criou as condições para que os ucranianos viessem para o país. No entanto, não foram muitos os que decidiram ir para tão longe porque a maioria dos que saíram, ficaram nos países europeus mais próximos para, na primeira oportunidade, voltarem.
É isso o que estamos observando no Brasil. Os ucranianos que chegaram aqui, nesse momento, já estão voltando para a Ucrânia. Em primeiro lugar, porque os territórios onde ficam as casas deles foram liberados, o que dá a eles a possibilidade de voltar para casa tendo relativa segurança.
Em sua maioria, as pessoas que saíram foram as mulheres com as crianças, enquanto os homens ficaram na Ucrânia defendendo o país. Essas mulheres com crianças já querem voltar para ser unir a seus esposos.
Agência Brasil: Há algum número oficial de ucranianos que vieram para o Brasil?
Tkach: Não posso dizer que vieram apenas os que fugiram da guerra, porque há também outros motivos, mas foram entre 1 mil e 1,5 mil pessoas.
Agência Brasil: E os que deixaram o país para outros destinos? Tem uma ideia de quantos foram e os principais destinos?
Tkach: Falam em aproximadamente 6 milhões de pessoas. Os principais destinos foram na Europa. Muitos, para países vizinhos como a Polônia, que consideramos uma nação irmã pela ajuda aos nossos cidadãos, recebendo e acolhendo, bem como pela ajuda que nos foi dada nesse difícil momento.
Agência Brasil: E na direção da Rússia? Vocês têm alguma noção de quantos foram para lá?
Tkach: A Rússia realizou uma deportação forçada dos ucranianos dos territórios ocupados. Nesse momento, estamos falando de 16 mil crianças que foram deportadas e realocadas para lá.
Agência Brasil: Sobre a relação Brasil-Ucrânia, o que a eleição do presidente Lula mudou no que se refere à relação entre os dois países?
Tkach: O presidente Lula está condenando abertamente essa guerra que a Rússia iniciou. Estamos esperando uma ativação da nossa cooperação. Já ocorreram vários contatos. Nossa primeira vice-ministra visitou o Brasil para participar da cerimônia de posse do presidente Lula, com quem se reuniu. Houve também reunião de chanceleres, que estão mantendo contatos. O diálogo continua.
Agência Brasil: O presidente Lula declarou que trabalhará para construir um caminho para a pacificação, propondo, inclusive, a criação de um grupo para mediação da paz. Ele poderá colaborar para que os dois países encontrem um ponto comum?
Tkach: Oferecemos nossa “Fórmula da Paz”, o plano de ações que mencionei. Ele é abrangente e prevê todos os temas para resolver e terminar com essa guerra. Nosso plano está aberto para a participação de todos os países. Lembro que a Rússia continua tendo os seus militares na usina nuclear da Ucrânia, que é maior usina nuclear da Europa, com um depósito de munições em seu interior. É muito importante resolver essa questão.
Com relação à segurança alimentar, defendemos ações como a do “Corredor Verde” para escoamento dos grãos da Ucrânia. Sobre a segurança energética, há um déficit da energia por causa das ações da Rússia, com seus bombardeios via mísseis e drones iranianos.
Queremos também punição dos responsáveis pelos crimes que foram cometidos na Ucrânia, a restauração da integridade territorial da Ucrânia, a proteção do meio ambiente. Isso é muito importante porque vai demorar anos para desativarmos as minas colocadas em território ucraniano. Outras reivindicações são a retirada das tropas russas do nosso território, o cessar fogo e, por fim, a garantia de que a agressão não vai voltar a acontecer.
Agência Brasil: Qual mensagem a Ucrânia gostaria de enviar, não para o governo, mas para os brasileiros interessados em entender o que, de fato, está por trás desse conflito?
Tkach: O mais importante é um pensamento crítico e a avaliação das informações e das fontes. Por exemplo, as mídias oficiais da Rússia estão banidas em muitos países por causa da propaganda e a desinformação. O governo russo não é de confiança. Em 2013, o presidente Putin disse que não tinha nenhuma intenção de invadir a Ucrânia, e que respeitaria a soberania do nosso país.
Em 2014, as tropas russas estavam na Crimeia. O presidente russo dizia que nossas tropas não estavam, o que não era verdade. Em 2015, ele disse o mesmo, e a gente reiterava que as nossas forças armadas também estavam lá. Como que dá para acreditar nessa fonte, quando ela diz que o principal propósito é a expansão da Otan? Ele é uma fonte da qual devemos desconfiar. Por isso que o mais importante é pegar informações de várias fontes, analisar e chegar a uma conclusão.
Agência Brasil: O senhor falou muito da preocupação da Ucrânia com relação a um eventual ataque russo. Peço-lhe um exercício de se colocar no lugar do outro. No caso, do Putin. O senhor ficaria preocupado em ter um país vizinho com armas nucleares apontadas para o seu povo?
Tkach: A Ucrânia entregou suas armas nucleares, o terceiro arsenal de armas nucleares no mundo, para o país produtor, a própria Rússia, como previsto no “Memorando de Budapeste” de 1994. Tudo em troca das garantias de segurança. A Ucrânia cumpriu com aquilo que prometeu. A Rússia não.
Agência Brasil: Há muitas informações controversas sobre essa guerra. Alguns especialistas, e até mesmo parlamentares norte-americanos, dizem que, em 2014, houve na Ucrânia um golpe que resultou na destituição de um presidente contrário ao ingresso na OTAN [Viktor Yanukovych], e que isso teria sido feito com apoio financeiro dos Estados Unidos. Há também quem afirme que isso resultou em apoio armado a grupos neofacistas na Ucrânia. Qual resposta que o governo ucraniano dá àqueles que fazem tais acusações?
Tkach: Nesse momento estamos falando sobre grupos marginalizados e muito polarizados. Não é a maioria e não são fontes de respeito. Se existem essas acusações, elas são mantidas e sustentadas pela Rússia e pela sua máquina de propaganda, que investe bilhões de dólares anualmente para essas acusações.
O que aconteceu na Ucrânia foi: o presidente ucraniano [Viktor Yanukovych] fugiu para a Rússia, onde ele permanece até agora. Os ucranianos elegeram um presidente. Passou um tempo, elegeram um segundo presidente. O que significa que o processo democrático continua na Ucrânia, que compartilha valores democráticos. Temos o apoio do ocidente, em particular o compromisso da União Europeia, no sentido de uma integração futura nossa com o bloco. Isso, para mim, é a maior avaliação de que o processo é verdadeiramente democrático.
Compartilhamos dos mesmos valores europeus, que não têm nenhum espaço para o nazismo ou neonazismo. Como pode haver neonazismo em um país onde o líder, o presidente, é de origem judaica?