Comissão da Verdade se multiplica em trabalhos como 'Ainda Estou Aqui'
Por Francielly Barbosa - Estagiária da Agência Brasil *
Luiz Antônio Sansão, conhecido desde a adolescência como Lula, foi levado por militares na noite de 3 de dezembro de 1971. Por volta das 19h, cerca de dez militares invadiram a casa onde morava com seus pais, na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Derrubaram móveis, abriram gavetas e portas, destruíram objetos e o levaram à força, preso, com um capuz sobre a cabeça. Passados 54 anos, quem preserva o depoimento de Luiz é a filha, a jornalista e mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Luiza Sansão.
“Cobriam os olhos para a pessoa não poder, depois, dizer para onde ela estava indo, para não identificar o trajeto”, lembra Luiza.
“Ele só se recorda de estar numa sala, de frente para um militar que o estava interrogando, fazendo perguntas sobre a militância dele e o ameaçando o tempo todo, dizendo que era melhor ele falar ali, porque, se ele não falasse, seria levado para Belo Horizonte, e no DOI-Codi de Belo Horizonte (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) as coisas eram diferentes”.
Na época, Luiz tinha 22 anos de idade recém completados, era estudante do curso de Ciências Sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e militante da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), organização clandestina que agia contra a ditadura militar, instalada em 1?º de abril de 1964.
Comissão Nacional da Verdade
A história de Luiz, hoje fotógrafo, com 74 anos de idade, é uma das centenas de memórias resgatadas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), que revelam situações de violações de direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil. O depoimento ainda se assemelha em muitos detalhes à história de tortura e assassinato do ex-deputado federal Rubens Paiva, retratado no filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles. A responsabilidade pela morte do ex-parlamentar foi reconhecida pelo Estado Brasileiro, e o crime completou 54 anos nesta semana.
O filme, adaptação do livro de mesmo nome escrito por Marcelo Rubens Paiva, filho do ex-deputado, recebeu o prêmio Globo de Ouro de melhor atriz na categoria Drama pela atuação de Fernanda Torres como Eunice Paiva, viúva do político.
“É interessante porque quando assisti ao filme Ainda Estou Aqui, parecia que estava assistindo a história do meu pai, com a diferença de ele ter voltado para casa, e Rubens Paiva, não”, reflete Luiza.
“Tenha dito! Por conta da Comissão da Verdade, tive elementos para escrever o livro Ainda Estou Aqui, e agora temos esse filme deslumbrante. E Dilma pagou um preço alto pelo necessário resgate da memória”, escreveu Marcelo Rubens Paiva em uma publicação no X, em novembro de 2024.
As comissões da Verdade foram órgãos formados para investigar períodos de instabilidade política, em que houve suspensão dos direitos individuais e das normas democráticas. A CNV foi criada a partir da Lei no 12.528, em 18 de novembro de 2011, coincidindo com a promulgação da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Estabelecida em 16 de maio de 2012, com um período determinado de 2 anos de funcionamento, posteriormente prorrogado até 16 de dezembro de 2014, a CNV examinou e esclareceu “as graves violações de direitos humanos praticadas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”.
No período em que atuou, a Comissão Nacional da Verdade recolheu 1.121 depoimentos e 80 audiências públicas. O relatório final, entregue à então presidente Dilma Rousseff, em 10 de dezembro de 2014, identificou 434 mortes e desaparecimentos de vítimas do regime militar no país. Entre essas pessoas, 210 continuam desaparecidas.