Relatora especial da ONU vê racismo sistêmico no Brasil
O racismo no Brasil é sistêmico, perdura desde a formação do Estado brasileiro, e as medidas para combater o preconceito não são suficientes para fazer frente à gravidade da situação. Essas são algumas das conclusões preliminares apresentadas nesta sexta-feira (16) pela relatora especial sobre formas contemporâneas de racismo, Ashwini K.P., que faz parte do corpo de especialistas independentes do sistema de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Ashwini K.P. também manifestou preocupação com as eleições municipais, que ocorrerão em outubro deste ano. Segundo ela, há uma representação política muito baixa no país de grupos raciais e étnicos marginalizados, além de o ambiente político ser hostil e mesmo perigoso para quem consegue se eleger. Ela citou como exemplo o caso de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 2018.
“Ficou extremamente evidente para mim, após minha visita, que as pessoas afrodescendentes, os povos indígenas, comunidades quilombolas, romani e pessoas pertencentes a outros grupos raciais e étnicos marginalizados no Brasil, incluindo aqueles que enfrentam discriminação interseccional com base em deficiência, gênero, status LGBTQIA+ e/ou ser pessoa migrante ou refugiada, continuam a experimentar formas multifacetadas, profundamente interconectadas e generalizadas de racismo sistêmico”, disse, em coletiva de imprensa.
“A violência estrutural e a exclusão endêmicas, que desumanizam pessoas de grupos raciais e étnicos marginalizados, causam danos muitas vezes irreparáveis e tornam as pessoas invisíveis dentro da sociedade, sendo consistentemente articuladas para mim como características integrais do racismo sistêmico no Brasil”, observou.
Embora reconheça medidas de combate ao racismo importantes no país, ela diz que ainda não são suficientes diante da gravidade do problema. “O ritmo atual de mudança não parece corresponder à gravidade da situação sofrida por pessoas de grupos raciais e étnicos marginalizados. Existem lacunas significativas na implementação e alcance de leis e políticas, e o progresso em direção à justiça racial é muito lento. As pessoas de grupos raciais e étnicos marginalizados no Brasil já esperaram tempo demais por justiça e igualdade racial. A própria vida e existência de pessoas marginalizadas depende de ação mais ousada e urgente”, afirmou.
Entre os bons exemplos destacados estão os programas de ações afirmativas para instituições de ensino superior e outras instituições públicas; os esforços para garantir o reconhecimento cultural e a memória sobre as experiências coletivas de pessoas de grupos raciais e étnicos marginalizados, com a criação de memoriais; e até mesmo a criação do Ministério da Igualdade Racial e do Ministério dos Povos Indígenas em 2023, bem como a criação de uma Secretaria sobre os Povos Romani dentro do Ministério da Igualdade Racial.
Eleições
Em relação à representação política, ela mostrou preocupação. “Estou, portanto, muito preocupada com relatos de representação política muito baixa de grupos raciais e étnicos marginalizados, incluindo afrodescendentes, povos indígenas, comunidades quilombolas e romani em órgãos políticos e de tomada de decisão, incluindo o Congresso Nacional e órgãos estaduais e municipais”, disse.