“O objetivo da pesquisa é fazer o primeiro processo de identificação da prática de trançar enquanto ofício, saber tradicional do Distrito Federal, apontando ações e políticas públicas para o Estado, no sentido de pensar essas políticas para trancistas negras”, explica a pesquisadora.
Mapeamento
Layla Maryzandra defende que é necessário comprovar que a atividade das trancistas é um saber e um ofício tradicional que precisa ser considerado patrimônio imaterial do país.
O evento do Latinidades, nesta quinta, conta com a participação do presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass. O debate é realizado em parceria com o Ministério do Trabalho e Instituto Fios da Ancestralidade, além de representantes do Ministério da Cultura. O tema de 2024 é “Vem ser fã de Mulheres Negras”.
A pesquisa de Layla Maryzandra conseguiu chegar a histórias de 95 mulheres negras trancistas no DF e, somando-se outras regiões, a um total de 122. Segundo ela, a maioria dessas trancistas mais jovens não têm a apropriação histórica e cultural do que significa essa prática, que vai muito além de tendências de moda.
“O que a gente demonstra no processo de identificação é que isso não é uma tendência ou moda. A prática está ligada aos modos de vida especialmente de mulheres negras”, diz a pesquisadora, que é pedagoga de formação e já foi trancista profissionalmente, a primeira da família que gerou renda com a atividade. A mãe e a avó dela, com quem ela aprendeu a fazer as tranças, são nascidas no Maranhão. “Eu nasci no Quilombo Urbano da Liberdade, em São Luís. Minha mãe e a minha avó nasceram no Quilombo de Damásio, em Guimarães (MA).
Inventário
Além de apresentar a pesquisa de mestrado até o final do ano, o projeto de mapear as trancistas vai continuar no ano que vem com mais suporte tecnológico e com público maior, inclusive com um recurso pela Lei Paulo Gustavo para fazer uma segunda edição.
As profissionais que responderam a pesquisa durante quatro meses têm a trança como renda principal. “Mas se tem uma perspectiva de ancestralidade, então a gente precisa entender que a atividade não nasce no salão afro, mas com as mães, com as avós”, avalia. A trança, então, nasceria sim no quintal, na sala e na varanda de casa. “A gente conseguiu um percentual maior de participantes na Ceilândia e em Taguatinga [duas das regiões periféricas mais populosas na cercanias da capital]”.
A pesquisadora utilizou técnicas típicas de inventários participativos do Iphan que ajuda as comunidades a pensar a identificação patrimonial de bens culturais. “É preciso contar a história das tranças a partir da história das trancistas. A maioria de nós está na periferia. Há pessoas que conhecem a capital somente a partir do Plano Piloto ou só a partir do patrimônio material da cidade”, lamenta.
E, por isso, ela defende que esse patrimônio imaterial não fique em segundo plano. “É preciso entender que tudo isso só vai fazer sentido se a gente conseguir materializar isso enquanto política pública”. Por isso, o levantamento é entregue ao Iphan de forma que possa estimular outros mapas em mais unidades federativas.
Contra invisibilidade
A pesquisadora explica ainda que tem produzido vídeos para expor e contrapor a invisibilidade dessa atividade (profissional ou não). “Um dos desdobramentos da pesquisa foi que as pessoas tiveram vontade de criar uma associação nacional de trancistas negras [para garantia de direitos]”.
Para a pesquisadora, foi gratificante ter como retorno das mulheres pesquisadas uma maior consciência social sobre o que a trança significa como patrimônio. Um dos aprendizados foi justamente dentro de casa, que um dia ensinou Layla a fazer as tranças. A mãe, Maria de Nazaré Martins Costa, de 72 anos, ficou orgulhosa do que descobriu com a filha. Ela conta que também aprendeu com as mais velhas, mas veio para Brasília para ser manicure.
“A gente não tinha essa visão. É uma cultura de ancestralidade não tem como aprender sozinha”, diz a mãe. Assim foi o caso também da mais antiga, Ana Lúcia Lima, de 68, que é, para a pesquisadora Layla, uma fonte da sabedoria. Ana, inclusive, adotou o apelido que deu nome ao salão dela, Akini, que, em yorubá, quer dizer “bem-vinda”.
A histórica trancista lembra que ficava envergonhada, no começo, de cobrar pelo serviço de trançar os cabelos, uma atividade que pode demorar mais de 10 horas de trabalho, mas que sempre fazia com muita alegria. Ela, que já foi doméstica e vendedora, abriu um salão em 1992. Ela descobriu que a habilidade com as mãos poderia ajudar “crianças negras que ainda hoje sofrem discriminação nas escolas”. Ela parou de atender no salão, mas se diz realizada por espalhar o saber que aprendeu no colo da avó.