O Brasil não tem políticas específicas de enfrentamento ao neonazismo, crime que tem registrado aumento de denúncias especialmente em anos eleitorais, segundo dados da organização não governamental (ONG) Safernet. A conclusão é do integrante do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) Carlos Nicodemos (foto), que lidera uma comitiva pelo país para levantamento de dados, no contexto da Relatoria Especial para Enfrentamento ao Crescimento das Células Neonazistas no Brasil, instaurada pelo colegiado.
“Já está evidente que não há uma política nacional que enfrente isso como uma agenda específica. Isso é tratado sempre de uma forma subcategorizada, num conjunto de outras formas de violência. É preciso repensar os mecanismos de controle, não só por parte do Poder Judiciário, mas também do próprio Poder Executivo, no campo da educação, da cultura, entre outras medidas”, avaliou Nicodemos, em entrevista à
Agência Brasil.
No mês passado, o CNDH apresentou à Organização das Nações Unidas (ONU) preocupações acerca do crescimento de grupos neonazistas no país ao longo dos últimos anos. Um relatório preliminar reuniu dados presentes em diferentes levantamentos e classificou o cenário atual como “alarmante”.
Segundo o documento, um mapa elaborado pela antropóloga Adriana Dias indica que, de janeiro de 2019 a maio de 2021, as células de grupos neonazistas cresceram 270,6% no Brasil, espalhando-se por todas as regiões, "impulsionadas pelos discursos de ódio e extremistas contra as minorias representativas, amparados pela falta de punição". No início de 2022, de acordo com o relatório, havia mais de 530 núcleos extremistas no país, que reuniam até 10 mil pessoas.
“É bastante preocupante porque a questão do discurso supremacista, neonazista, ele traz elementos não só de ataques a grupos minoritários relacionados à comunidade LGBTQIA+, à questão da xenofobia, do racismo, ele traz também uma questão que compromete o próprio Estado Democrático de Direito, porque o neonazismo foi forjado numa perspectiva fascista e trabalha com a lógica do Estado totalitário”, alertou Nicodemos.
Os indicadores da Central Nacional de Denúncias da Safernet mostram aumento de denúncias de neonazismo no primeiro semestre de 2022 em relação ao mesmo período do ano passado. O crescimento foi de 120%, passando de 578 para 1.273 denúncias.
Em 2020, as denúncias de neonazismo aumentaram 740,7% em relação ao ano anterior, ao passar de 1.071 para 9.004. Em 2018, o crescimento foi de 262% em relação a 2017, passando de 1.172 para 4.244. Para a Safernet, os indicadores apontam que as eleições são como um gatilho para o avanço do discurso de ódio.
“Os picos de denúncias [de crimes contra os direitos humanos praticados com o uso da internet] crescem em anos eleitorais, se transformando em uma poderosa plataforma política para atrair a atenção da audiência e dar visibilidade e notoriedade aos emissores”, avalia a Safernet.
O coordenador do Observatório da Extrema-Direita e professor de história contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora, Odilon Caldeira Neto, apontou que a leitura sobre o neonazismo no Brasil é um desafio do ponto de vista qualitativo, além do quantitativo. “É interessante qualificar o debate, entender quais são os discursos, quais são os tipos de grupos, como existem esses processos de hibridização, de interseccionalidade entre a extrema-direita e assim por diante”, disse.
Ele ressaltou que o neonazismo não é um problema exclusivamente em determinadas regiões do país, mas um fenômeno de formação muito pulverizada e que está presente em várias localidades do Brasil. O professor acrescentou que não é apenas a suástica que caracteriza a identidade neonazista.
“O problema é muito mais diversificado, com novas simbologias, novos processos, um contexto político também muito mais distinto. De primeiro, eu diria que é necessária uma discussão sobre a atualização do entendimento do que é e de quais são os símbolos do ódio, os símbolos do extremismo de direita, não somente neonazista, mas que atentam contra minorias sociais, direitos humanos, contra a dignidade humana”, disse Caldeira Neto.
Em relação a ações do Estado, o professor lembra que o governo brasileiro tem manifestado ambições interessantes que contemplam o entendimento de que o neonazismo no país é um fenômeno plural e diversificado. “É também um fenômeno de hibridização, ou seja, existe um hibridismo entre os componentes locais, os componentes nacionais e os componentes internacionais.”