“O local em que é preparada a nossa alimentação tem condições inadequadas, com ratos andando por todos os cantos da cozinha e deixando rastro de urina”. O trecho é de uma carta coletiva feita por detentos do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Caraguatatuba, no litoral de São Paulo.
Após tomar conhecimento da denúncia, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, determinou à ouvidoria da pasta o acionamento de entidades estaduais do setor e de autoridades locais do sistema de justiça para apurar os fatos narrados na carta. “Pelo amor de Deus, Direitos Humanos, inclina seus ouvidos a esse grito de desespero”, pediram os detentos.
Os presos reclamam das condições desumanas na unidade e citam situações como a redução extrema da quantidade da alimentação e até a oferta de comida estragada, além de negligência médica. Segundo a carta, durante um mês, os detentos receberam leite azedo e tiveram corte na salada e no suco servidos. “E [está vindo] feijão podre três ou quatro vezes por semana e arroz cru, sem nenhuma condição de comer.”
Em entrevista à
EBC, a mãe de um dos homens encarcerados no CDP de Caraguatatuba classificou de desumana a situação dos detentos. “Quando meu filho foi preso, eu fui me envolvendo nessa situação de [combate ao] abuso, porque não sou contra a justiça ser feita, sou contra o abuso de autoridade”, disse a mulher, que preferiu não se identificar por medo de represália e de que o filho seja castigado.
“Eles estão pedindo socorro. Estamos fazendo uma mobilização para que sejam ouvidos. Não é porque cometeram os delitos que eles precisam ser tratados dessa maneira, como bichos, porque eles estão sob a tutela do Estado”, disse. “É uma humilhação à gente. Como mãe, tenho até vontade de chorar”, desabafou.
No dia 25 de setembro, um dos detentos morreu na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Caraguatatuba. Segundo a entrevistada, este foi um caso de negligência por parte do CDP. “Ele era soropositivo. Começou a vomitar muito sangue, e os presos tiveram que fazer um escândalo, bater os copos para chamar o funcionário e pedir socorro para o homem. Porém, pela demora do socorro, o preso vomitou muito sangue e, por ser soropositivo, os funcionários não quiseram colocar a mão”, contou.
Em razão das denúncias recebidas pela Defensoria Pública do estado, dois defensores foram ao CDP de Caraguatatuba, onde atenderam alguns presos, tiveram uma conversa com o diretor e tiveram uma rápida visualização do espaço interno da unidade. A defensoria informou que continuará realizando atendimentos no local e solicitando as informações pertinentes.
“No que tange à alimentação, alguns presos, em conversa, reclamaram. Aparentemente, há estoque na unidade, mas se encontra em baixa. Haveria gêneros alimentícios para a alimentação básica, contudo, pelo que foi mencionado, teria passado por momentânea falta de alguns gêneros – hortaliças, legumes e verduras. Há aparente dificuldade de liberação orçamentária e aguardo de realização de pregão para fornecimento, que foi indicado e já se encontraria encaminhado para a solução”, informou, em nota, o Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria (Nesc).
Além de pedir provas e tomada de providências ao diretor da unidade e, em casos individuais, ao juiz responsável, os defensores identificaram produtos destinados ao controle de ratos na unidade. Na ala destinada ao trabalho dos presos, os defensores disseram que chegaram a ver um rato entrando no espaço.
O diretor [do presídio] confirmou que foram encontrados ratos e que, há meses, estava sendo feita intensa dedetização, mostrando, inclusive, notas de serviços realizados, com frequência ao menos mensal. "O CDP encontra-se em área rural, envolto de mata, o que aparenta maior dificuldade no controle, bem como que teria sido encontrado descarte inadequado de restos de comida, em vasos e fora de cestos de lixo”, acrescenta a nota do Nesc.
Também em nota, a Secretaria da Administração Penitenciaria informou que a alimentação da unidade é preparada pelos próprios custodiados e respeita um cardápio elaborado por nutricionistas, com uma comissão formada por servidores da SAP para avaliar e fiscalizar as condições de higiene e limpeza do local. “Em março, houve uma inspeção da vigilância sanitária que atestou as condições da cozinha do presídio”, diz o comunicado da secretaria.
Segundo a SAP, o Centro de Detenção Provisória conta com controle de pragas, dedetizações e aplicações mensais de inseticidas e raticidas – a última foi no dia 17 de outubro e, para ontem (13), estava prevista nova aplicação. “O acesso à saúde é garantido pelo setor de saúde da unidade. Os casos mais complexos são atendidos via SUS pela rede pública e pelo Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo”, acrescenta a nota.
Sobre o homem que morreu, a secretaria informou que ele chegou àquele CDP 13 dias antes e, na ocasião, declarou que tinha uma doença crônica, mas havia abandonado o tratamento há quase dois anos. Na tarde do dia 25 de setembro, o rapaz passou mal e, de acordo com a secretaria, foi levado à UPA, onde faleceu horas depois, de broncopneumonia. A direção do presídio registrou boletim de ocorrência na delegacia local e abriu procedimento apuratório. No entanto, a SAP não informou se houve resultado da apuração.