"E segue o massacre de palestinos a pretexto de exterminar o Hamas", escreveu na última segunda-feira (23) em suas redes sociais o jornalista Ricardo Noblat. A postagem lhe rendeu, nos comentários, diversas acusações de antissemitismo. Não é um episódio isolado. O histórico conflito envolvendo Israel e Palestina ganhou novas proporções com o ataque surpresa do Hamas no dia 7 de outubro e se tornou pauta de um debate mundial. Com a crescimento do debate, vieram também as denúncias de antissemitismo.
Acusações desse tipo geraram inclusive um conflito diplomático. No dia 9 de outubro, ao anunciar o cerco à Faixa de Gaza, o ministro da Defesa israelense Yoav Galant afirmou: "Não haverá eletricidade, nem alimentos, nem combustível. Estamos lutando contra animais e agimos em conformidade". Nas redes sociais, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, criticou a fala e a equiparou aos discursos nazistas. Israel o acusou de antissemitismo e, desde então, as relações entre os dois países estão estremecidas.
Um levantamento realizado pela Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas (FGV) atesta a mobilização dos brasileiros em torno do tema antissemitismo. Foi identificado um aumento significativo da discussão sobre o assunto desde o início do conflito. Na plataforma X (antigo Twitter), entre 7 e 24 de outubro, houve 231 mil menções aos termos antissemitismo e antissemita (inclusive nas grafias anti-semitismo e anti-semita).
"Observamos um aumento constante nesse debate. Antes do início do conflito em 7 de outubro, a média diária de menções sobre antissemitismo ficava entre 200 e 300. Após o ataque do Hamas, ela sobe. Não ficou abaixo de 8 mil nem um dia. As menções sobre antissemitismo entraram no debate público brasileiro e, mesmo com oscilações, se mantêm em um patamar constante", disse à Agência Brasil, o sociólogo e pesquisador da FGV, Victor Piaia.
Mas o que é antissemitismo? Criticar Israel é antissemitismo? A Agência Brasil levantou essas questões com quatro pesquisadores que estudam o conflito histórico que envolve Israel e Palestina. Há um consenso de que críticas Israel e sobretudo à política do governo israelense não podem ser consideradas manifestações de antissemitismo à priori.
"Críticas ao Estado de Israel e às ações de Israel no território da Palestina como as feitas pelo Gustavo Petro não são antissemitas. Há críticas que contém elementos de antissemitismo. Mas não é o caso da maioria das manifestações que temos observado nos últimos dias. Mesmo a comparação com as práticas nazistas, dizer que a Faixa de Gaza é um campo de concentração ou um gueto, que está se fazendo um massacre, são críticas cabíveis ao Estado de Israel", diz Bruno Huberman, pesquisador e professor do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Natalia Calfat, cientista política e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), avalia que os principais questionamentos feitos à Israel no presente debate surgem em decorrência do caráter expansionista do sionismo e da política empreendida sob o governo liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Ela observa que críticas aos assentamentos israelenses são ressoadas inclusive por judeus.
"O que existe hoje é uma tentativa de enquadramento de toda crítica ao sionismo enquanto antissemitismo. É uma manobra diversionista que desloca a discussão, deslegitima as críticas e viola os princípios do debate democrático. Isso não significa dizer que não haja antissemitismo nem que não haja críticas à Israel acompanhadas de antissemitismo. Elas certamente existem, mas nem sempre é o caso e é preciso que haja clareza na diferenciação entre antissionismo e antissemitismo".
A socióloga Sabrina Fernandes, pesquisadora da Universidade de Guadalajara (no México), observa que o antissemitismo aparece no discurso de pessoas que confundem Israel com o povo judeu no geral. Ela avalia que as críticas ao governo e ao Estado de Israel são produzidas a partir de variadas orientações ideológicas e avaliações críticas.
"Isso significa que enquanto uma maioria tem a capacidade de criticar políticas específicas do governo de Netanyahu, ou criticar a política de Estado colonial que vai muito além de um governo ou outro, sem fazer referências negativas ou discriminatórias ao povo judeu, toda vez que Israel recebe exposição negativa, aparecem sim incidentes de falas e ataques antissemitas", diz ela.