No plenário, poltronas acolchoadas acomodam 51 vereadores. Dali saem as leis que determinam direitos e deveres dos cariocas. Nas escadarias externas, feitas de concreto, movimentos sociais agitam a população. Dali ecoam vozes que pressionam os representantes eleitos.
O Palácio Pedro Ernesto, atual sede da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, completa 100 anos nesta sexta-feira (21). Ele reúne nessa longa trajetória um conjunto de memórias de tensão e contradição sociopolíticas. Em alguns momentos, foi considerado uma Gaiola de Ouro pelo luxo e distanciamento das elites que o comandavam. Em outros, foi palco de importantes manifestações populares.
A inauguração do palácio pode ser situada dentro do contexto de reformas urbanas pelas quais passava a cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. E que tinham como principal nome o prefeito Pereira Passos.
A partir de 1903, começam a ser implantada várias mudanças, principalmente na região central. O objetivo era dar características ditas mais modernas ao país e se distanciar do passado colonial e escravista. Ampliação de ruas, estruturas de saneamento, construção de praças e de grandes prédios marcaram esse processo, assim como a destruição de cortiços e a remoção da população mais pobre para áreas periféricas.
A Avenida Central, hoje Rio Branco, concentrou alguns dos principais edifícios que representavam os novos tempos. Entre eles, na praça Floriano Peixoto, estavam o Palácio Monroe (construído em 1906 e demolido em 1976), o Centro Cultural Justiça Federal (1909), o Theatro Municipal (1909) e a Biblioteca Nacional (1910). A eles iria se juntar o Palácio Pedro Ernesto uma década depois.
Havia a demanda por uma nova casa para o Conselho Municipal, porque a sede do órgão ficava em um prédio deteriorado.
O novo edifício começa a ser planejado entre 1911 e 1912. O projeto ficou a cargo do arquiteto Heitor de Mello e a construção teve início em 14 de dezembro de 1918. Com a morte dele em 1920, Archimedes Memória e Francisque Cuchet, do mesmo escritório de arquitetura, passam a liderar o projeto. As obras foram concluídas e o edifício inaugurado oficialmente em 21 de julho de 1923 com o nome de Palácio do Conselho Municipal.
“Desde o período colonial, a cidade do Rio não tinha uma Câmara de Vereadores com sede própria. Ela era sempre itinerante. Depois se cria a intendência, depois a prefeitura e o legislativo é expulso da sede do governo da cidade. Na época em que o palácio foi criado, não existia outro como ele no Rio de Janeiro. Os palácios que nós tínhamos eram o do Catete e o do Itamaraty, que eram privados e foram comprados pela República. Não havia nenhum palácio público tão luxuoso como o Pedro Ernesto”, recorda o historiador Paulo Knauss.
Gaiola de Ouro
Na época, a arquitetura e o custo alto das obras chamaram a atenção: 23 mil contos de réis, mais do que o dobro do valor gasto no Theatro Municipal (10 mil contos de réis). Isso contribuiu para que ganhasse o apelido pejorativo de Gaiola de Ouro. Um contexto desfavorável, nacional e internacional, ajuda a explicar essa diferença tão grande de custos.
“É um contexto hostil. A maior parte dos produtos usados na obra era importada. Depois da Primeira Guerra Mundial, há uma hiperinflação desses produtos. Também ocorre uma greve operária durante as obras. Além disso, a prefeitura vai demorar muito para efetuar o pagamento da firma construtora e ela vai ameaçar suspender as obras. E para completar, o arquiteto Heitor de Mello vai deixar a obra mais complexa durante o processo e tornar o prédio mais luxuoso do ponto de vista decorativo. Então, vários fatores levaram a esse encarecimento”, explica o historiador Douglas Liborio, do Laboratório de Imagem, Memória, Arte e Metrópole (Imam) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Do ponto de vista arquitetônico, o edifício é comumente identificado pelo estilo neoclássico. Mas, segundo o historiador, seria mais correto falar em uma “arquitetura dos estilos”, por ser uma mistura de diferentes temporalidades artísticas. O que torna difícil encaixá-lo dentro de um único estilo. Os dois torreões, - com relógios na base - lembram palacetes franceses do Antigo Regime; os portões têm detalhes em Art Nouveau; o mobiliário segue inspiração rococó. E o prédio é construído com estrutura de concreto armado, sendo um dos primeiros da América Latina a adotar esse material.
Obras de arte
O interior do Palácio Pedro Ernesto também guarda um conjunto valioso de obras de arte, entre esculturas, vitrais e pinturas. Muitas delas remetem ao período colonial. No salão de entrada, um quadro de Antônio Firmino Monteiro retrata a fundação da cidade do Rio de Janeiro pelos portugueses.
O mesmo tema aparece em pintura de Rodolpho de Amoêdo na parede principal do plenário. Nos fundos, está a imagem de Tiradentes, do pintor Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, ao lado de uma estátua de Estácio de Sá.