Três mulheres, três histórias, três heranças culturais. Dona Cadu, Dona Marciana e Dé Kariri Xocó não se conheciam. Uma baiana, outra amapaense e outra alagoana, elas saíram de suas casas para se encontrar esta semana no Sesc 24 de Maio, no centro de São Paulo. Ali, além de um bate-papo, foi exibido filme contando a história de cada uma. O que as uniu foi uma arte que aprenderam desde meninas e que esta semana elas vieram transmitir aos paulistanos: a ciência de transformar o barro em belas louças e cerâmicas.
“Estamos colegas agora”, contou a centenária dona Cadu. É com as mãos que elas vão moldando cada peça, como uma extensão de seus corpos. E é com as mãos que elas sustentam a casa: repetindo o que já fizeram suas antepassadas.
“Para mim e para o meu povo Kariri Xocó, ele [esse trabalho em cerâmica] representa uma coisa muito boa. Minha mãe teve 18 filhos. Criou esses 18 filhos com o barro, trabalhando na cerâmica. Igualmente eu, que só tive quatro [filhos]. Também ajudei a minha mãe a criar meus irmãos com a cerâmica. Me sinto muito orgulhosa de eu ser uma louceira de cerâmica”, contou Dé, à reportagem da
Agência Brasil.
Sentadas lado a lado, aguardando o momento em que iriam se apresentar ao público do Sesc 24 de Maio, as três louceiras contam que foram pelas mãos de outras mulheres que receberam essas bençãos. E é por suas mãos que agora elas estão repassando essa mesma tradição para outras gerações de mulheres. “Eu já passei [essa técnica] de geração para geração. Minha filha faz, minha neta faz, minha bisneta faz. Essa é uma cultura para nós do estado do Amapá”, disse Marciana.
Dona Cadu
Foi ainda menina que Ricardina Pereira da Silva, a dona Cadu, de 103 anos, que ainda carrega o sorriso e disposição de menina, aprendeu a arte e o ofício de fazer louças. Moradora de Coqueiros, em Maragogipe, na Bahia, ela é louceira há 93 anos. Mostrando o muque nos braços para falar sobre o trabalho doloroso e difícil dessa técnica, dona Cadu contou como iniciou os trabalhos em cerâmica.
“Desde a idade de 10 anos [faço as louças]. Aprendi com uma senhora do sertão porque nasci e me criei em São Félix. Essa senhora chegou do sertão, da roça. Era chão velho, mas era roça. E aí ela sabia fazer. Eu todo dia ia doida para aprender. Todo dia eu pegava um molhinho do barro e levava para a casa de meus pais para fazer brinquedos. Mas eu estava pensando que ela não estava vendo eu levar o barro. Mas ela estava vendo. E ela me perguntou: ‘você quer aprender?’. Eu disse que queria. Com 15 dias que eu estava trabalhando com ela, eu já estava fazendo melhor do que ela. E aí fui trabalhar na casa dos meus pais”, recordou ela.