O processo de descaracterização das barragens e diques que a Vale possui no Sistema Pontal, em Itabira (MG), poderá levar à remoção de diversas famílias. O plano da mineradora prevê diversas intervenções, incluindo a construção de muros de contenção, e considera evacuar imóveis em dois bairros do município.
O assunto foi discutido na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na última terça-feira (25). O deputado Bernardo Mucida (PSB) questionou a mineradora em pronunciamento na tribuna. Ele falou que até 300 famílias poderiam ser atingidas.
"Eu me reuni com os moradores e com o Ministério Público. A Vale quer construir uma estrutura de contenção. É um enorme muro que chega a ter 20 metros de altura, com a base de aproximadamente 30 metros. São similares a estruturas usadas no Japão para conter tsunamis. É uma espécie de barragem reserva. Um muro que fica atrás da barragem para segurar o rejeito na eventualidade de um rompimento. Acontece que ele está para ser construído em área urbana", disse o deputado.
A Vale não informa nenhuma estimativa do número de possíveis atingidos. "Visando à segurança dos moradores, está sendo considerada a remoção de pessoas e imóveis nos bairros Bela Vista e Nova Vista", diz a mineradora em nota.
Hoje (27), o prefeito do município Marco Antônio Lage viu de perto as operações da mineradora. "Gestores da companhia explicaram as movimentações na barragem e afirmaram que ainda não há uma definição a respeito do quantitativo de famílias nos bairros Bela Vista e Nova Vista que poderão ter que ser removidas para a conclusão dos trabalhos", informou o município em nota.
A visita foi solicitada devido à preocupação com a situação das comunidades vizinhas. "Estão apreensivas com as obras e reclamam de poucas informações por parte da empresa. Marco Antônio defendeu um diálogo mais próximo com os moradores e que todos os detalhes mostrados aos representantes da prefeitura também sejam repassados aos cidadãos", acrescenta o texto divulgado pelo município.
A descaracterização de todas as estruturas construídas pelo método a montante se tornou uma exigência legal após as tragédias de Mariana (MG), que deixou 19 mortos em novembro de 2015, e de Brumadinho (MG), na qual morreram 270 pessoas em janeiro de 2019. O grande número de vidas perdidas nos dois episódios, além dos significativos impactos ambientais, levou Minas Gerais a aprovar a Lei Estadual 23.291/2019. Ela estabelece prazos para a descaracterização das barragens similares as que se romperam. Em âmbito nacional, a Agência Nacional de Mineração (ANM) editou uma resolução com determinação similar.
A Vale divulgou, ainda em 2019, a primeira versão do seu plano para descaracterizar nove barragens. Outras estruturas foram incluídas posteriormente, entre elas as que integram o Sistema Pontal. Atualmente são listadas 14 barragens, 13 diques e dois empilhamentos drenados. Em janeiro desse ano, a mineradora informou que quatro processos já estavam concluídos. De acordo com a Vale, a forma mais segura de cumprir a exigência legal em relação às estruturas situadas em Itabira está sendo discutida com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
A proposta da Vale é dividir o processo em duas etapas. A primeira incluiria um reforço dos diques 3 e 4 e a descaracterização do dique 5. Além disso, na região conhecida como Lagoa Coqueirinho, seria implantado um muro contenção capaz de bloquear a passagem de rejeitos no caso de uma tragédia. É na segunda etapa que as remoções seriam consideradas. Ela envolveria a descaracterização dos diques Minervino e Cordão Nova Vista e a construção de mais um muro de contenção. A Vale afirma, no entanto, que os estudos ainda estão sendo realizados. "As ações serão definidas conforme resultados dos estudos, sempre considerando o menor impacto possível para as comunidades", diz a mineradora.
O MPMG diz acompanhar de perto a situação. "A promotora de Justiça Giuliana Talamoni Fonoff, a 2ª Promotoria de Justiça de Itabira, está em tratativas com a Vale com o objetivo de fazer um Termo de Compromisso", informa em nota.
Evacuações
Desde a tragédia de Brumadinho, centenas de pessoas já foram retiradas de suas casas em diferentes cidades de Minas Gerais. As evacuações começaram a ocorrer em decorrência de um pente-fino nas barragens de diversas mineradoras realizado por meio de vistorias da ANM e de ações de fiscalização do MPMG e do Ministério Público Federal (MPF). Como resultado, dezenas de estruturas perderam suas declarações de estabilidade, foram consideradas inseguras e ficaram impedidas de operar. Nos casos em que as evacuações foram determinadas, os atingidos foram encaminhados para hotéis ou para moradias temporárias alugadas pela mineradora responsável.
Em Itatiuçu, o descontentamento levou os moradores a organizar na semana passada uma carreata onde apresentaram diversas reivindicações: valor justo para danos morais e pagamentos por pessoa removida e não por família, reconhecimento da desvalorização de imóveis que não foram evacuados, reparação para pontos comerciais inviabilizados, garantia de auxílio financeiro por pelo menos 5 anos para possibilitar a retomada das atividades econômicas paralisadas, entre outras.
"O comércio da cidade está fechado. A cidade não é mais igual ao que era", diz a moradora e uma das organizadoras da carreata, Patrícia Odione. "Quem vai querer comprar uma casa do lado de uma barragem que pode romper? Mesmo que a lama não fosse passar pela casa, mas você a veria da sua janela? É claro que houve desvalorização”, registra um manifesto divulgado pelos manifestantes.
A situação decorre dos riscos envolvendo a barragem do complexo minerário Serra Azul, de responsabilidade da ArcelorMittal. Mais de 200 moradores estão fora de suas casas desde fevereiro de 2019. O descontentamento se agravou com o acionamento do sistema de sirenes no dia 8 de março desse ano, assustando a população. Era um alarme falso ocorrido a partir de um erro humano durante procedimento de manutenção. Diante de episódio, o MPF e o MPMG firmaram com a ArcelorMittal um Termo Adicional de Compromisso (TAC) por meio do qual a mineradora concordou em pagar uma multa de R$360 mil, revertida em favor de 655 núcleos familiares atingidos.
No ano passado, uma matriz de danos foi elaborada pelos atingidos com o apoio da Associação Estadual de Defesa Social e Ambiental (Aedas), entidade que eles escolheram para assessorá-los. O documento estabelece parâmetros para a reparação. Ele foi apresentado à mineradora, ao MPF e ao MPMG. Em dezembro, a ArcelorMittal confirmou o recebimento.
De acordo com a mineradora, as negociações prosseguem e as ações já pactuadas, como o pagamento do auxílio emergencial e a manutenção dos imóveis que foram desocupados, estão sendo cumpridas. "As partes buscam definir critérios de reparação aos danos sofridos pelos atingidos, sempre com embasamento técnico e referenciado. Devido às complexidades do tema e restrições da pandemia, as negociações foram prorrogadas consensualmente com todos os envolvidos até o dia 5 de junho. A empresa busca uma composição capaz de reparar de forma satisfatória todos os danos causados", diz em nota.