Ingenuidade é o estado de espírito natural da criança, uma condição espontânea do início da vida. Tudo é novo e há de ser descoberto. Pela ingenuidade nos aventuramos, confiamos, testamos e aprendemos. E aqui está o objetivo final: aprender.
Com o passar dos anos, a ingenuidade haveria de dar lugar à sabedoria, que consiste em algumas notas amargas e em outras doces. Acontece, porém, da ingenuidade cair para fazer espaço à mágoa diante da vida e do mundo, produzindo descrença e misantropia. Este é um dos motivos pelo qual há pessoas que se agarram à ingenuidade como forma de preservar sua infância e otimismo com relação à vida. Assim fazendo, porém, elas não salvam a “criança interior”, e sim permanecem infantis.
A ‘criança interior’ é o arquétipo da abertura ao novo, da disponibilidade a conhecer e a experimentar. A criança renova-se constantemente, está leve e desperta. Sua simplicidade de espírito lhe permite não ter preconceitos, logo seu potencial é multiplicado por causa da ampliação das oportunidades. O arquétipo da ‘criança interior’ é uma dimensão da psique que está na raiz das mudanças e atrevimentos que uma pessoa faz ao longo da vida, de sua capacidade em recomeçar, arriscar e acreditar.
Inevitavelmente, ao crescer, a pessoa adquire conhecimento, penas e alegrias. A ingenuidade inicial vai se transformar em maturidade. Cada experiência deveria ser um laboratório alquímico de transformação. Uma pessoa deveria sair de uma vivência fortalecida e ciente do que aprendeu, e aberta diante de outras novas experiências.
Existe, entretanto, uma tendência a manter a ingenuidade, a esticá-la para além do devido. Por quê? Por dois motivos, para preservar a doce ilusão de um mundo onde a maldade e as desavenças são, afinal das contas, em número e intensidade inferior ao “Bem”, que sempre prevalece, e para evitar de tomar uma atitude, que, acredito, é o que mais assusta. Quem teme a luta e o confronto, prefere a ingenuidade. Quem não se sente capaz de aguentar a vida, também.
A ingenuidade tolhe muita gente inteligente impedindo de ser responsável, palavra que significa saber dar respostas condizentes às situações que se apresentam. Acaba-se por ter um juízo distorcido, insistindo na bondade de tal pessoa ou na possibilidade de “que as coisas melhorem”, quando, ao olhar objetivo e realista o passado e o presente, há indicações suficientes do que está acontecendo e do que é provável que aconteça. Queremos manter acesa a chama da esperança? Tudo bem. Mas por que permitir sermos machucados novamente?
Perder a ingenuidade não corresponde a se tornar pessimista, mas em ganhar a coragem de incluir o negativo na visão que se tem. Incluir o negativo significa atinar para a ambiguidades, a maldade, a mentira, a inconsciência conveniente, a ignorância, a vaidade, a superficialidade, a falsidade. Não são esses aspectos da natureza humana tanto quanto a bondade, generosidade e ética? Não poderiam objetivamente falando estar presentes em todos, incluindo as pessoas com as quais nos relacionamos e até nós mesmos?
Continuar a ser ingênuos após ter visto a realidade, é propositalmente fechar os olhos, fingindo positividade. Desta forma, o progredir da vida é impedido e a verdadeira ação da ‘criança interior’ que quer explorar novos horizontes, falha.