Esta quarta-feira (23) é Dia de São Jorge, feriado no estado do Rio de Janeiro. Mas o santo celebrado por cariocas e fluminenses passou a dividir seu dia com os chorões. Desde o ano 2000, o 23 de abril também é Dia Nacional do Choro, um gênero musical brasileiro, nascido no Rio.
A data foi estabelecida na Lei 10.000/2000, assinada pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, foi escolhida para homenagear o nascimento de outro "santo": o pagão “São Pixinguinha”, como dizem nas rodas de choro. O detalhe é que, na verdade, Pixinguinha nasceu em 4 de maio de 1897 ? como pesquisadores da música brasileira posteriormente desvendaram.
Para saber mais sobre os mistérios do choro, uma música de matriz popular e acadêmica, a
Agência Brasilentrevistou o cavaquinista Henrique Cazes, professor Programa de Pós-Graduação Profissional em Música da UFRJ, autor de quase uma dezena de livros sobre o choro e seus personagens.
Leia a seguir principais trechos da entrevista
Agência Brasil:O 23 de abril é Dia Nacional do Choro em referência à data presumida de nascimento do Pixinguinha. O choro tem mais de uma definição, seja como gênero musical ou como uma maneira de tocar uma música. Há também mais de uma explicação por que foi batizado com nome choro. Que outros mistérios tem essa música que identificamos como genuinamente brasileira e com mais de 150 anos?
Henrique Cazes:Mistério não falta no choro. A gente pode assinalar um padrão de composição que foi estabelecido pelos pioneiros, desde Henrique Alves de Mesquita, Chiquinha Gonzaga, Joaquim Callado, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros. Esses compositores de grande talento estabeleceram um padrão de acabamento, de elaboração nas composições, e isso tudo fez com que o choro, já no início, fosse uma música que era difícil de se fazer. No entanto, 150 anos depois, não para de aparecer gente fazendo choro e continuando a perseguir esse padrão de qualidade composicional.
Eu acho que isso é um mistério, porque se essa música fez tão pouco o sucesso comercial, por que haveria paixão de gerações a gerações? É algo, realmente, que é um mistério. A gente pode ter uma explicação bem técnica e racional, mas, do ponto de vista da paixão, é algo que que me admira até os dias de hoje, quando eu chego numa roda de choro e encontro músicos muito jovens tocando de uma forma que não envolve só a técnica, conhecimento, mas envolve também esse amor por essa música. Isso é algo incrível.
Agência Brasil:Outra coisa que eu também acho misteriosa é como, ao longo desses 150 anos, o repertório foi crescendo do ponto de vista acumulativo. Quero dizer que aquilo que é lá de trás não é descartado. E, à medida que vão surgindo novos compositores, vão surgindo novos clássicos, e os antigos não deixam de ser tocados. No choro, às vezes, a grande novidade que aparece numa roda é uma polca do Século 19 que foi tirada do baú de algum lugar, de alguma pesquisa. É fascinante isso. Não se deixa nada pelo caminho, vai se acumulando.
As rodas de choros teriam alguma responsabilidade pela longevidade da música?
Henrique Cazes:Eu escrevi um livro chamado O choro reinventa a roda, e seu título completo seria O choro reinventa a roda e a roda reinventa o choro. É realmente muito importante, ao longo desse tempo todo, a experiência compartilhada de interpretação em que há uma convivência harmoniosa entre a memorização de repertório e o improviso. Isso é uma coisa muito importante para que o choro esteja em constante renovação, numa dinâmica muito viva.