O ator Osmar Prado incluiu mais um sucesso entre tantos na carreira que começou em 1958, ainda criança. Aos 77 anos, tem viajado o país, desde janeiro do ano passado, com a peça O Veneno do Teatro.
Em cada canto, confirma a forte presença de público, que já soma mais de 60 mil espectadores. A peça começou nesta sexta-feira (14) a terceira temporada no Rio de Janeiro. Dessa vez, no tradicional Teatro Municipal Carlos Gomes, na Praça Tiradentes, no Centro do Rio.
Em uma retrospectiva dos mais de 65 anos de carreira, Osmar se identificou como um acidente, porque foi cedo a sua manifestação “por uma coisa que nem sabia o que era”, quando, em torno dos 7 anos de idade, perguntou pela primeira vez à mãe como se fazia para ser artista.
“Mamãe, como se faz para ser artista? Embora não tivesse ideia do que era ser artista. Essa pergunta saiu da minha boca enquanto ela pilotava um fogão à lenha. Ela respondeu e me matou. Disse: meu filho, para ser artista, tem que ser bonito, alto. A referência dela era Rodolfo Valentino, símbolo sexual do período da década de 1930 ou 1940. Eu jamais me enquadraria nesse modelo. Então, ela me matou no nascedouro.”, relatou à
Agência Brasil.
Isso, no entanto, não encerrou sua trajetória. A salvação veio com a tia Trindade Augusta Prado, que era operária e irmã da mãe do ator. “Ela foi me levando, até eu chegar a um teste na casa do diretor chamado Líbero Miguel, que queria iniciar a teledramaturgia na TV Paulista, já que existiam três televisões em São Paulo: a TV tupi, a TV Record e a TV Paulista”, contou.
Ao saber que o diretor precisava de meninos para fazer a primeira novela que seria adaptada para a televisão no canal 5, que era David Copperfield, de Charles Dickens, Osmar foi levado pela tia à casa de Líbero Miguel, que o pediu para decorar uma cena de meia página.
O menino respondeu que levaria para casa para decorar, mas o diretor disse que fizesse ali mesmo, e que ele contracenaria com a mulher do diretor. Osmar acabou ganhando a chance de participar da produção por causa de um improviso.
Líbero explicou como deveria desempenhar o papel. Ele teria que bater à porta, entrar e começar a conversar com a mulher que contracenava com ele.
“Bati à porta. Ela disse 'entre, sente-se aqui'. Fui indo e esbarrei acidentalmente no cinzeiro na mesa de centro, que caiu no chão. Peguei instintivamente, sentei no lugar que ela falou e comecei a conversar. Duas, três falas depois, ele parou e me disse 'não preciso mais'. Você vai trabalhar comigo”, contou em detalhes a situação.
Aos 12 anos, Osmar Prado representou o personagem Oliver Twist, também do escritor Charles Dickens, já como protagonista. “E assim minha vida foi seguindo, fui indo aos trancos e barrancos. Não fiz curso, nem faculdade de teatro. Todo o meu aprendizado foi na prática e nos contatos de pessoas maravilhosas do meio que me auxiliaram, me deram conselhos, me indicaram livros. Tive o privilégio de trabalhar com [o ator] Sérgio Cardoso”, contou, acrescentando que também Othon Bastos e Gianfrancesco Guarnieri foram grandes influências.
'Fui sendo levado'
Osmar lembrra que a origem da sua família era pobre. O pai, funcionário público ex-motorista de praça. A tia, responsável pela sua carreira, era operária e o seu nascimento foi em casa.
“Vim não da miséria, mas da pobreza. O parto, quando eu nasci, foi feito pela minha bisavó, em casa. Nasci em um quarto de um casebre de alvenaria, mas era um casebre com banheiro do lado de fora, tinha um quarto e uma sala. Meu pai e meu avô fizeram um puxado de madeira para fazer uma cozinha com fogão a lenha, em São Paulo na Vila Clementino. Hoje, tem um prédio enorme naquele lugar. Foi ali que comecei a minha vida".
"Fui sendo levado. Parece que era o destino inexoravelmente marcado ser o que sou, e não perdi o entusiasmo até hoje. Graças aos deuses, porque o Deus mesmo não tem nada com isso, coitado, tem tanta demanda porque ele olharia para mim, um menino qualquer? Deus tem demandas mais sérias, agora, os deuses do teatro sorriram para mim”.
Uma crítica assinada por Miroel Silveira, em 1959, já apontava para o potencial de atuação do ainda menino Osmar Prado. Foi na peça Nu, com Violino, em que atuava com o ator Sérgio Cardoso, já visto como artista de destaque.
“Era tão insignificante a minha participação que ele poderia ter me ignorado. Além de não me ignorar, ele disse o seguinte: ‘o menino Osmar Prado, apesar de ter quase perdido a voz na estreia, representou a sua cena até o final com imensa bravura e excepcional personalidade’. Ele disse isso de mim. Um misto de pena pelo meu desespero, mas, ao mesmo tempo, entendia que ali havia uma potencialidade. Ele previu: ‘uma agradável revelação aos 12 anos’”, afirmou.