Em algum momento, você desejou intensamente que algo mudasse. Que tenha sido carreira, relacionamentos ou você mesmo, alguma deficiência sua, hábito viciante, repetido inúmeras vezes.
Talvez você tenha começado a pintar borboletas e grudar decalques de borboletas em seu quarto, ou a ter fotos de borboletas na tela de seu celular ou computador. Afinal, o nascimento da borboleta é a metáfora por excelência da transformação. O mais bonito dos insetos parece contar a história perfeita para nos inspirar em nosso processo de transformação.
Pois bem, vejamos mais de perto esse milagre da natureza. Como é possível que uma criatura que se arrasta por galhos e folhas, coisa alongada molenga de muitas patinhas, se transforme em um ser alado, colorido, elegante e, realmente, ornamental?
Porque essa criatura em sua dócil obediência à implacável dinâmica da Natureza, aceita sua total aniquilação. Para ser borboleta, da lagarta não deve sobrar nada. Isso se chama metamorfose. Mutação da forma.
No plano humano, a mutação da forma não tem como ocorrer. Continuaremos com duas pernas, dois braços, dois olhos e uma boca. Na dimensão humana, o que muda não é mais a forma física, mas a forma mental. Com forma mental quero dizer a forma de pensar, de entender a si próprios e à vida, de interpretar fatos, emoções e nosso passado. A metamorfose da borboleta na vida humana corresponde à radical mutação daquilo que consideramos ser o nosso Eu. Não tenha medo, geralmente, aliás, sempre é para melhor. Não mais criatura pegajosa que se arrasta no chão, mas ser alado que mais se parece com um pequeno anjo...
Agora, você está pronto para a aniquilação?
Por mais que eu te fale que ser borboleta é melhor do que ser lagarto, imagine (você sabe!) aquele pobre coiso lá dentro do casulo sem a menor ideia do que virá, sem noção de futuro. Imagine a sua ansiedade. Ele lá, trancafiado naquele mundo apertado, apavorado com o desconhecido amanhã. Imagine a vida do coitado, preso entre passado e futuro, sem conseguir ir para frente ou escapar. É o caso de uma boa crise de pânico e da síndrome da ansiedade generalizada. É possível que o lagartozinho tome um rivotril ou um prozac, e consiga dar uma aparência melhor ao casulo sufocante. Quem sabe com uma decoraçãozinha tudo não ficará melhor?
Pois é, para alcançar as alturas da borboleta é preciso morrer. O velho eu tem que morrer. Infelizmente, estamos apegados a ele. Pode ser feio e desestruturado, mas a gente está acostumada. É barato, inclusive. Não demanda esforço, investimento de dinheiro em terapia ou dores de cabeça. E de brinde, você não precisa entrar em conflito com ninguém. A natureza dinâmica e implacável que dê um tempo! Aqui mando eu. Lagarto eu gosto de ser! De borboletas encho minha parede, colorindo meu quarto...
E se num impulso de ousadia você se atrever a responder ao chamado e aceitar docilmente a morte, rezando e suando frio, você estará disposto a lutar pela sua vida?
Porque ser dócil não é suficiente. Você deve ser dócil diante de sua morte ao mesmo tempo em que deve saber lutar de unhas e dentes pela sua vida. A borboletinha não sai do casulo se não à custa de dura luta. Ela mesma é quem vai despedaçar o casulo-prisão.
Não tem papai do céu para te socorrer, namorado, esposa ou mãe. É só você e seu desejo absurdamente implacável pela vida e, sobretudo pela vida autêntica.
É isso que Sabina Spielrein, uma das primeiras psicanalistas da história, quis dizer quando escreveu, "Nenhuma transformação pode acontecer sem o aniquilamento do estado anterior." Pois é, o ser inautêntico há de morrer.