O amor de um casal resiste à morte por dois motivos: ou a dependência entre os dois continua firme e forte, prendendo ambos a papéis fixos, ou o amor entre eles se aprofunda, fincando raízes na alma. Para saber distinguir em qual situação nos encontramos é preciso ter autoconhecimento e honestidade interior. Demora um certo tempo de terapia para discernir o tipo de laço que nos une ao outro. Pelo fato de, geralmente, uma pessoa ter tanta parte de si desconhecida a si mesma, facilmente tira conclusões erradas ou convenientes. Além disso, as coisas não estão nunca nitidamente distintas, mas entrelaçadas num emaranhado de desejos, necessidades, medos e sentimento.
Há amores que são feitos para durar um tempo, porque refletem a psicologia da pessoa no momento em que iniciou a relação. Um indivíduo dependente e inseguro precisará de alguém que lhe dê força e direção, outro só e com necessidades de suporte material, companhia e ajuda física encontrará a pessoa apropriada para aquela situação. O filhinho de mamãe encontrará uma mulher maternal (e, eventualmente, manipuladora), a filhinha do papai atrairá um homem para guiá-la (e, eventualmente controlá-la também). Relações nascidas na adolescência trarão as marcas do sistema familiar ao qual estavam acostumados, esticando para a idade adulta o padrão de relação de quando se era criança e que, inevitavelmente, se tornará inadequado.
A despeito da consciência e das conveniências do ego, evoluímos. Relações de dependência servem para dar um suporte momentâneo até uma pessoa conseguir ficar de pé sobre as próprias pernas, ganhando autonomia e mais autoconfiança. Começa então a surgir-lhe uma inquietação interna, a vontade de experiências diferentes e novas. Perde-se o interesse sexual, a relação fica mais fria ou forçada. Aos poucos, porque o anseio interior não é ouvido, surgem traições e mentiras, para finalmente a relação se tornar simplesmente enfadonha.
É por isso que relações que parecem “perfeitas” de repente terminam. Os dois estavam atuando papeis como num teatro, papeis que surgiram naqueles primeiros tempos de namoro e que nunca foram renovados.
Essas pessoas não reciclaram a relação e não se trabalharam como indivíduos, não podendo assim crescer como casal. Resultado: o mecanismo inicial envelhece por causas naturais e a relação se faz inviável. Mais cedo ou mais tarde haverá um evento que condensará o mal-estar existente e o trará à tona.
Há outros amores que não conseguem se realizar. O desejo é grande, a atração potente, mas os dois permanecem naquele estado de quando as coisas não tomam um rumo definido, não têm estabilidade. Geralmente, isto acontece porque o amor entre os dois exige mudanças de ambos. Nesse caso, ou os amantes são psicologicamente imaturos para enfrentar os câmbios internos e externos que seu sentimento requer ou o preço que se pagaria para estar com a outra pessoa custa caro demais, até a própria autodestruição. Muitas vezes, ocorre uma combinação das duas situações, no sentido que um dos dois é imaturo e o outro não pode compactuar com o estado existencial da outra pessoa porque o prejudicaria. É aqui que entra a alma.
Contrariamente às frases prontas dos psicólogos, nem tudo é projeção e doença. Cada caso é um caso. Colar uma etiqueta generalizante sobre situações similares não é ético com as pessoas e muito menos profissional. Existem casos em que, após desconstruir projeções e dissolver doenças, descobre-se que o amor por outra pessoa está baseado numa ligação profunda, que se localiza “mais abaixo” do ego e de suas problemáticas.
O imaturo que ama a despeito de si mesmo, para estar com a amada, precisa amadurecer. Isso significa tornar-se independente de alguma situação que o está prendendo, podendo ser: pais, esposa ou esposo, drogas, preconceitos ou medos. Evidentemente, este processo, quando assumido e iniciado, é longo e não fácil, mas o amor que sente deveria sustentá-lo no caminho.
Há indivíduos que nunca conseguem dar esse passo. O que acontece então com o amor? Ele continua vivo, mas é reprimido. A pessoa inventa uma desculpa atrás da outra para se livrar dele, para desvalorizá-lo, distorcê-lo e anulá-lo. Eventualmente, não consegue nada disso e talvez assume um dia num tom de pseudo-sabido que “não era para ser” ou “as diferenças eram irreconciliáveis” ou “ela (ou ele) não aceitava meu isso ou aquilo meu”. Bobagens para justificar a falta de atitude em dar um salto de consciência.
Quem ama alguém que é imaturo e cuja companhia, apesar das alegrias, o leva a tolerar o que é intolerável para sua integridade psicológica, o que pode fazer? Domar seu amor. Quem ama alguém que não está nas condições de ter uma relação de casal saudável (porque ele mesmo não é saudável) há de dizer: eu te amo, mas não posso estar com você.
O amor, apesar de ser algo maravilhoso, que se busca, se canta, se escreve e se sonha, é empenhativo e sério. Mais fácil é não amar. Mais fácil é repetir as relações papai-mamãe ou enganar-se com muitas relações superficiais e banais. Entretanto, quando se tem vivido por um certo número de anos e se tem superado o romantismo adolescencial, notar-se-á que existem, de fato, amores que não morrem, que são mais fortes do que o próprio ego.
O amor “eterno” se transforma mais frequentemente em chateação do que em benção, porque amor de verdade requer trabalho, dedicação, coragem. Amor é uma força revolucionária. Não acaricia o ego e nina para ter bons sonhos. Amor exige testosteronas para avançar e estrogênio para acolher. Honestidade para reconhecer e generosidade para se doar.
*Adriana Tanese Nogueira é psicanalista e life coach www.ATNHumanize.com