Discriminar é uma ideia discriminada. Ela sofre preconceito porque lembra o ato de separar, distinguir, afastar uma coisa da outra, classificar e criar uma hierarquia de valores, eventualmente tratar algo de maneira preferencial. E é isso mesmo que discriminar significa, mas, quando aplicado às relações sociais, este conceito ganha um gosto amargo, que por pudor ou convicção se rejeita.
Infelizmente, pelo fato das pessoas adotarem determinadas ideias e comportamentos, ao discriminar um conceito do outro, um valor do outro acabam por discriminar as pessoas que incorporam tais ideias e comportamentos. Entretanto, é importante lembrar que o foco não é o indivíduo, mas seu comportamento e, apesar dos dois muitas vezes tristemente se identificarem, uma pessoa é sempre maior de seu comportamento e ideias. Cabe a ela demonstrá-lo e cabe a nós lhes darmos crédito e uma chance da mudança.
O ato da discriminação, quando não é utilizado pelo pensamento preconceituoso, é a principal atividade da consciência. Afinal, o que é consciência se não a capacidade de discernimento? A habilidade de separar o joio do trigo em meio a um marasmo de sementes? E é uma classificação e hierarquização sim, porque o joio não serve, o trigo sim, um pode ser colocado de lado, o outro tem a primazia, é valioso. Para discriminar é preciso da coragem moral de fazer e assumir uma escolha.
O processo de discriminação consciente é parte integral do processo de individualização. Neste, uma pessoa vai se distinguindo da massa uniforme (apesar de diferente em detalhes multicoloridos que não mudam a essência) do pensamento coletivo e dos impulsos inconscientes que impedem o emergir da unicidade de cada indivíduo. No pensamento massificado e não discriminado, o eu, em seu trabalho de consciência, abre caminho no matagal das ideias confusas, dos conhecimentos atrofiados e esclerosados, prontos para consumo irrefletido como papinhas homogeneizadas são servidos a todo novo membro da humanidade por mães apressadas. E como os alimentos industrializados contêm inúmeros ingredientes pouco confiáveis e até tóxicos, assim o pensamento já embalado e pronto para o uso engloba material que precisa ser revisto (se não jogado fora).
O símbolo por excelência da consciência discriminadora é a espada – que aparece nos sonhos. Uma espada para funcionar bem precisa ser afiadíssima, capaz de cortar pela metade um fio de grama. Essa imagem representa a capacidade do pensamento em saber reconhecer diferenças mínimas mas fundamentais entre teorias, atitudes, conversas, comportamentos, ideias, justificativas, explicações... enrolações. Significa saber divisar com precisão, para além do que parece consenso e óbvio, o minúsculo vírus que corrompe todo o programa. A consciência discriminadora deve ser dialética porque somente pela dialética pode-se administrar elementos contraditórios ao mesmo tempo, sem entrar em crise ou criar raciocínios insensatos. A dialética permite a agilidade do pensamento, o que abre a consciência para um horizonte no qual branco e preto convivem, e o sim e o não fazem parte do mesmo cenário, assim como é na vida. Entretanto, a consciência discriminadora garante que não terminemos nunca em pizza.
O uso da espada exige outra condição: a força do braço, representando a determinação e a coragem de dar o corte, de separar e classificar. Reconhecer traços condenáveis, assim como pensamentos falhos (que dão vida a comportamentos falhos) é doloroso para a consciência comum (ou alienada). As convicções são como cantigas de ninar. É gostoso ter certeza, é desagradável usar o microscópio para analisar os componentes do lanchinho que tanto se gosta. E quando vier a dor de barriga, vai ser desagradável discernir sua origem, melhor deixar a coisa vaga e esperar que “passe”.
Para ter consciência discriminadora é preciso ter força moral, que é aquela capacidade de estar de pé sozinho sem necessitar do suporte do coletivo (namorado, família, amigos, igreja, grupo, etc.). Um caminho para o desenvolvimento da consciência discriminadora é o estudo da filosofia e, sobretudo, o aprendizado do ato de filosofar em si (que é diferente do repetir o que os outros disseram). Acredito que somente a filosofia permita discriminação do pensamento num grau de pureza que nenhum outro ramo do conhecimento humano permite. Ao adquirir os instrumentos que a filosofia oferece é possível destrinchar o mundo externo. O outro caminho, é o autoconhecimento apurado (ou seja, não aproximado, “mais ou menos”, e sem receitas psicológicas prontas) que permite a discriminação interna. De nada vale ter uma supercabeça para entender o que está fora, quando o próprio sentimento é escandalosamente manipulado pelos outros. A consciência discriminadora é a chave para a mudar a si, à própria vida e ao mundo.
*Adriana Tanese Nogueira Holistic Life Coaching www.adrianatanesenogueira.org