Consciência discriminadora: o que é? - Viver Bem
Infelizmente, pelo fato das pessoas adotarem determinadas ideias e comportamentos, ao discriminar um conceito do outro, um valor do outro acabam por discriminar as pessoas que incorporam tais ideias e comportamentos. Entretanto, é importante lembrar que o foco não é o indivíduo, mas seu comportamento e, apesar dos dois muitas vezes tristemente se identificarem, uma pessoa é sempre maior de seu comportamento e ideias. Cabe a ela demonstrá-lo e cabe a nós lhes darmos crédito e uma chance da mudança.
O ato da discriminação, quando não é utilizado pelo pensamento preconceituoso, é a principal atividade da consciência. Afinal, o que é consciência se não a capacidade de discernimento? A habilidade de separar o joio do trigo em meio a um marasmo de sementes? E é uma classificação e hierarquização sim, porque o joio não serve, o trigo sim, um pode ser colocado de lado, o outro tem a primazia, é valioso. Para discriminar é preciso da coragem moral de fazer e assumir uma escolha.
O processo de discriminação consciente é parte integral do processo de individualização. Neste, uma pessoa vai se distinguindo da massa uniforme (apesar de diferente em detalhes multicoloridos que não mudam a essência) do pensamento coletivo e dos impulsos inconscientes que impedem o emergir da unicidade de cada indivíduo. No pensamento massificado e não discriminado, o eu, em seu trabalho de consciência, abre caminho no matagal das ideias confusas, dos conhecimentos atrofiados e esclerosados, prontos para consumo irrefletido como papinhas homogeneizadas são servidos a todo novo membro da humanidade por mães apressadas. E como os alimentos industrializados contêm inúmeros ingredientes pouco confiáveis e até tóxicos, assim o pensamento já embalado e pronto para o uso engloba material que precisa ser revisto (se não jogado fora).
O símbolo por excelência da consciência discriminadora é a espada – que aparece nos sonhos. Uma espada para funcionar bem precisa ser afiadíssima, capaz de cortar pela metade um fio de grama. Essa imagem representa a capacidade do pensamento em saber reconhecer diferenças mínimas mas fundamentais entre teorias, atitudes, conversas, comportamentos, ideias, justificativas, explicações... enrolações. Significa saber divisar com precisão, para além do que parece consenso e óbvio, o minúsculo vírus que corrompe todo o programa. A consciência discriminadora deve ser dialética porque somente pela dialética pode-se administrar elementos contraditórios ao mesmo tempo, sem entrar em crise ou criar raciocínios insensatos. A dialética permite a agilidade do pensamento, o que abre a consciência para um horizonte no qual branco e preto convivem, e o sim e o não fazem parte do mesmo cenário, assim como é na vida. Entretanto, a consciência discriminadora garante que não terminemos nunca em pizza.
O uso da espada exige outra condição: a força do braço, representando a determinação e a coragem de dar o corte, de separar e classificar. Reconhecer traços condenáveis, assim como pensamentos falhos (que dão vida a comportamentos falhos) é doloroso para a consciência comum (ou alienada). As convicções são como cantigas de ninar. É gostoso ter certeza, é desagradável usar o microscópio para analisar os componentes do lanchinho que tanto se gosta. E quando vier a dor de barriga, vai ser desagradável discernir sua origem, melhor deixar a coisa vaga e esperar que “passe”.
Para ter consciência discriminadora é preciso ter força moral, que é aquela capacidade de estar de pé sozinho sem necessitar do suporte do coletivo (namorado, família, amigos, igreja, grupo, etc.). Um caminho para o desenvolvimento da consciência discriminadora é o estudo da filosofia e, sobretudo, o aprendizado do ato de filosofar em si (que é diferente do repetir o que os outros disseram). Acredito que somente a filosofia permita discriminação do pensamento num grau de pureza que nenhum outro ramo do conhecimento humano permite. Ao adquirir os instrumentos que a filosofia oferece é possível destrinchar o mundo externo. O outro caminho, é o autoconhecimento apurado (ou seja, não aproximado, “mais ou menos”, e sem receitas psicológicas prontas) que permite a discriminação interna. De nada vale ter uma supercabeça para entender o que está fora, quando o próprio sentimento é escandalosamente manipulado pelos outros. A consciência discriminadora é a chave para a mudar a si, à própria vida e ao mundo.
*Adriana Tanese Nogueira Holistic Life Coaching www.adrianatanesenogueira.org