A recente prisão de três cubanos em Miami, com posse de vários cartões clonados, e a descoberta de “skimmers” em 10 postos de gasolina de Coral Springs, essa semana, trazem à tona uma realidade cada vez mais presente na vida dos residentes da Flórida: o golpe dos cartões clonados. E na comunidade brasileira o problema se repete, mas de maneira silente. Mais e mais vítimas surgem todos os dias e, por medo, preferem não fazer denúncia pública.
O golpe não é novo, mas tem aumentado significativamente nos últimos dois anos, na comunidade brasileira. “A situação já está ridícula. Tem acontecido com muita frequência. Depois que aconteceu comigo, várias pessoas me procuraram para dizer que também foram vítimas de clonagem. E muitas vezes os envolvidos são jovens conhecidos, que a gente sabe quem é, mas não pode fazer nada”, afirma Gloria (nome fictício), uma das vítimas mais recentes que desconfia que seu cartão, da bandeira American Express, foi “clonado” em um estabelecimento brasileiro.
“Fazia um tempo que não usava esse cartão, e resolvi usar em um restaurante brasileiro; abrimos uma conta e foi pedido o meu cartão para a conta ficar aberta, então deixei (a prática é normal em nightclubs e restaurantes). No fim, pagamos a conta normalmente. Na segunda-feira pela manhã eu recebi uma mensagem da operadora de cartão dizendo que eles suspeitavam que meu cartão estava sendo usado sem minha autorização, e a transação foi negada. Eu liguei para eles na hora e confirmei que não estava fazendo aquelas compras”, conta Gloria. A operadora afirmou à jovem que, mesmo sendo “declined” na primeira vez, eles ainda tentaram usar o cartão outras vezes, em outros lugares”, relata a jovem que não teve prejuízo mas lamenta ver muitas outras pessoas passando pelo mesmo problema.
O perfil dos “clonadores”
Na comunidade brasileira os envolvidos em clonagem, em sua maioria, tem o mesmo estereótipo: são jovens, que gostam de frequentar baladas e ostentar. Não se preocupam em chamar atenção gastando muito nas noitadas e dirigindo carrões; vivendo um estilo de vida que não condiz com a de um imigrante que trabalha de sol a sol para manter seu sustento. Também viajam com frequência para outras cidades ou estados, onde usam os cartões clonados com mais facilidade, como “turistas”. Um destino frequente tem sido Las Vegas.Restaurantes brasileiros são vítimas frequentes do golpe
Mas as vezes o estereótipo dos golpistas não se confirma. Foi o caso de uma das pessoas que usou cartão fraudulento no restaurante Picanhas, em Boca Raton. Uma delas era proprietária de uma empresa e cliente do restaurante . “Ninguém jamais desconfiaria. Mas quando acontece, pela primeira vez, a gente passa a vigiar essas pessoas”, conta Ivanete Dombrowski, dona do restaurante que já foi vítima de dezenas de cartões clonados nos últimos dois anos.
Outra pessoa acima de qualquer suspeita que usou cartão clonado era uma mulher, “mãe de família”, que frequentava o restaurante com duas filhas gêmeas. A mulher em questão tinha pagado uma conta de $90 com cartão fraudulento, meses antes. “Aconteceu até uma situação engraçada com essa mulher porque um dia, semanas depois do suposto golpe, ela foi no restaurante novamente e de repente parou vários carros de polícia em frente ao restaurante. Ela ficou tão nervosa; ela deve ter pensado que havíamos chamado a polícia para deter ela”, conta Ivanete, que pediu prova de identidade quando ela tentou pagar a conta com outro cartão. “Ela falou assim: Ah, agora vocês pedem identificação? e pagou em dinheiro”, lembra a empresária. Dias depois o restaurante recebeu da operadora American Express a notícia de que ela havia usado outro cartão para quitar a dívida que vinha sendo disputada como “fraudulenta”. O restaurante já foi vítima de dezenas de disputas e a maioria termina em prejuízo para o estabelecimento. “Só diminuiu o número de ocorrências depois que passamos a usar a maquininha que lê o chip dos cartões. E também porque passamos a pedir ID de todos que usam cartão de crédito”, conta a empresária.
Investigação é lenta
Os valores disputados não são muito grandes. Giram em torno de $100 ou menos. E muitas vezes as pessoas vem do Brasil, a turismo, e usam os cartões aqui. Quando voltam ao Brasil o restaurante recebe uma notificação de “charge back” e fica com o prejuízo, porque fica difícil até disputar com a operadora. “A maioria das pessoas conseguimos flagrar nas nossas câmeras. As imagens foram enviadas para o polícia, prestamos queixa, mas as investigações são muito lentas”. Afirma Ivanete. No seu caso, nenhum dos fraudadores foi preso, até agora.Golpistas usam máquinas “empinadeiras” e “printadeiras”
Com a evolução da tecnologia evoluiu também as formas de fraude. Há alguns anos a comunidade viveu um derrame de Gifts Cards, sem identificação, que eram usados pelos fraudadores para fazer compras de eletrônicos, relógios de grife e roupas ou sapatos de valores altos. Vários esquemas foram desmontados e muitos foram presos, na ocasião. Agora o golpe mais comum é usar cartões com identificação, inclusive acompanhados de identidade também falsa. “’E muito fácil. Eles imprimem os cartões e falsificam ID brasileira, com o mesmo nome e assinatura dos cartões”, afirma J.J., brasileiro que chegou a ser investigado pela polícia por causa da proximidade com um dos suspeitos. “Mas consegui provar que não estava no esquema. Até porque minha esposa foi vítima de clonagem duas vezes”, conta ele.Como eles conseguem os dados dos clientes
O que impressiona é a facilidade de conseguir os dados roubados. Os líderes dos grupos usam várias formas; até um esquema de bluetooth skimmer já foi descoberto. Trata-se de um dispositivo sem fio, instalados em postos de gasolinas ou usados por “colaboradores” em postos, bares e clubes. Em Miami, o envolvimento de balconistas, bartenders, garçons e atendentes de postos é confirmado pelo departamento de polícia. Segundo o Sgt. Carlos Rosario, do Miami-Dade Police Department, é dificil combater essa prática já que as vantagens financeiras oferecidas pelo esquema são grandes. Um trabalhador comum pode ganhar de US$20 a U$50 por cada cartão que copia. Num turno de trabalho e possível copiar até 20 cartões, em média, de acordo o sargento.J.J. conviveu de perto com um jovem que imprimia cartões e revela detalhes de como tudo é feito. “Antes eles compravam os dados através de um site ucraniano, mas esse meio ‘caiu’. Daí passaram a usar os ‘chupa-cabras’, (credit card skimmers) maquininhas leitoras de cartão. Em clubes e restaurantes é comum ter alguém, lá dentro, que usa uma “régua” para copiar”, conta. A “régua”, a que ele se refere, é um dispositivo parecido com um bracelete. Algumas pessoas usam no tornozelo, escondido, e um discreto movimento próximo à maquininha é suficiente para copiar os dados. Os golpistas pagam até $100 por cada “informação” roubada, ou 30% do valor roubado, segundo afirma J.J.
Uma vez copiado os dados, eles imprimem em um cartão em branco. “Geralmente eles tem duas maquininhas, uma ‘empinadeira’ e uma ‘printadeira’ para trabalhar”, conta. As máquinas podem ser compradas facilmente pela internet e a venda não pode ser proibida, já que tem outras finalidades, legais. “Empinadeira” é máquina responsável por copiar os números em relevo (embossing machine) e a “printadeira” dá cor aos números; imprime em cor prata ou dourado, segundo afirma J.J. E tudo isso é feito em minutos. “Eles imprimem vários. E nunca saem com um cartão só. Saem com vários cartões porque se um der ‘declined’ (quando a transação é negada), eles usam outro. Uma vez declined aquela “informação” já está perdida; não serve mais”, conta. J.J. também dá nomes. Diz que um dos líderes do momento, na comunidade, atende por nome de Fausto (mas pode se tratar de nome falso) e coordena um grupo de dezenas “distribuidores” (pessoas responsáveis por aliciar outros colaboradores). “São uns moleques, que não querem trabalhar; preferem levar uma vida fácil”, completa.
*Com informações do Patch.com e Palm Beach Post.