A vida do outro
Exatamente em frente ao apartamento novo – em frente assim, pouquíssimos metros,
janela com janela – mora uma bailarina. Gente, que sorte! Ontem, a sala passou o dia inteiro
com as janelas abertas, parece que ela não tem cortinas. Sem tem, não as fecha. E dança,
dança lindamente. A princípio eu assisti, assim disfarçadinha, depois que ela agradeceu os
aplausos, que saíram meio que acidentalmente, até esqueci o disfarce. Tomara que siga
receptiva ao público que acaba de chegar.
Eu dou uma sorte danada com vizinhos. Quando cheguei a São Paulo, de mala e cuia, fui
morar na Mourato Coelho. Um apartamento horroroso, barulhento, escuro. A janela do meu
quarto, no segundo andar, dava para um estacionamento. E a Vila Madalena era, àquela
altura, O lugar. Mas não tinha uma madrugada, isso de segunda a segunda, em que o
estacionamento não ficasse lotadíssimo. Minha gente! Na esquina tinha um pão de açúcar
24hs que fazia um sucesso medonho e em frente ao prédio, tinha um bar meio balada, meio
bar. Eu trabalhava em redação, chegava de madrugada em casa com uma certa frequência.
Bem, chegava de madrugada toda segunda e terça quando a revista fechava. E algumas
quintas, sextas e sábados, porque eu era jovenzinha e também dava meus pulos. Mas
voltando à reclamação principal, quando chegava do trabalho, o que tinha de gente bêbada
no portão de casa, do outro lado da rua, na esquina do super. Olhe, era trash ali, viu?
Mas se a noite era assim infernal, as manhãs e tardes eram puro contentamento. No
apartamento 12, exatamente abaixo do meu, moravam três amigos. Cruzei pouquíssimas
vezes com os meninos na escadaria de prédio – é que lá não tinha elevador –, mas sei que
eram músicos da então recém criada Orquesta Jovem Tom Jobim. Não havia um dia sequer
em que a casa não fosse invadida pelos ensaios dos três. Quando as meninas começaram a
tocar piano, lembrei tanto da Mourato Coelho e de como eu amava ouvir a mesma música
ficando cada vez mais bonita e mais completa. Quanta vida cabe em uma construção
vertical com casinhas empilhadas umas nas outras, não é? Que sejam cheias de dança e
música. Boa semana, queridos.