Senhor Presidente:
O povo brasileiro o elegeu, dando ao mundo um exemplo de inesperada maturidade de nossas instituições democráticas, porque este mesmo povo brasileiro enxergava no senhor e no partido que o senhor ajudou a construir, dar forma e conteúdo, talvez a “última trincheira de esperança” por um país menos desigual, menos politicamente calhorda e irresponsável.
O eleitor de Lula-la esperou 12 anos para que a sempre apavorada classe média agarradas a seus ilusórios valores de “meio de campo” aderisse ao seu empolgante discurso reformista, moralizador, transparente e radicalmente distante da “Feira Permanente de Maracutaias” em que se transformou o “ Brasil Democrático” pós-ditadura militar.
Muita gente chorou, se emocionou de verdade. Atá mesmo o presidente antecessor, Fernando Henrique Cardoso, teve o gesto digno de manifestar sua emoção ao passar a faixa presidencial que migrou de um intelectual da mais alta envergadura internacional para um torneiro mecânico quase-analfabeto.
Democracia é isso. Quem não gosta, se muda.
E ninguém se mudou.
Ficaram todos à espera de um governo inteligente, mas reformista de verdade. De uma administração articulada e moderna, mas sem perder de vista suas fundamentais promessas de palanque.
Dois anos e meio depois, o eleitor que conduziu o senhor ao posto político mais importante da América do Sul e um dos 10 mais importantes do mundo, está frustrado, indignado e perplexo.
Não é que o povo ache que o Senhor é trambiqueiro, falso ou nem mesmo incompetente como querem “pintar” os oposicionistas-oportunistas. O povo sabe que por menos “estudo” que o senhor tenha, é preciso muito talento e inteligência para fazer com que as elites medievais brasileiras “engolissem” um presidente do povo sem ter ido às extremas medidas para impeder que isso ocorresse.
A maior frustração do povo brasileiro, especificamente daqueles que o elegeram, é sentir que o senhor não está demonstrando uma capacidade que todos julgavam ser um de seus maiores trunfos: a capacidade de responder aos escândalos com a mesma dignidade e seriedade com que reagiu aos casos raivosos da repressão military que tanto tentou destruí-lo.
O povo brasileiro não está tão surpreso assim com a panaceia corrupta dos políticos. Brasília sempre foi, mais ou menos, assim. Uma ilha com meia dúzia de políticos realmente apaixonados pela causa pública, cercado por centenas de políticos da pior especial, perdidamente apaixonados por suas próprias contas bancárias.
Tenho lido muitos artigos falando que o senhor devia ter feito isso ou aquilo para “salvar” a sua presidência.
Eu, entretanto, acho que bastaria o senhor ser aquele Lula em quem milhões de brasileiros depositaram a mais nobre confiança: o destino de suas vidas, o destino da pátria.
Um Lula que tivesse ombridade para condenar o PT que mostrou sua face PFL. Um Lula que tivesse humildade para reconhecer que tem sido até infantil em suas bravatas e discursos casuísticos. Um Lula que pediria perdão a todos por, num momento de incrível fragilidade, ter dito à Nação que “ninguém no Brasil tem mais moral” do que ele mesmo nesse momento de crise. Foi uma declaração lastimável.
Mesmo assim, o povo ainda acredita que o senhor não tem nada a ver com as trapaças de seus auxiliares mais diretos. O povo ainda acredita que, apesar da assombrosa facilidade com que seu filho vem obtendo vantagens e ganhando fortunas, o senhor não teve participação direta em nenhuma dessas facilitações que seria obra dos tantos e quantos “puxa sacos” que existem em sua volta. Como existem em volta de qualquer grande mandatário ou estrela do rock.
O povo brasileiro, o eleitor que o elegeu, o tinha como um homem diferente. Um brasileiro real, incorruptível, comprometido com a missão de pelo menos iniciar o longo e penoso processo de resgate da cidadania em nosso país. Aquele que finalmente faria com que as frases magníficas de nosso hino nacional deixassem de ser uma poesia de realismo fantástico e se tornassem uma verdade da qual nos orgulharíamos.
Esse cristal já se quebrou.
O senhor ainda pode dar a volta por cima e se reeleger. Esse era o seu projeto e o projeto do PT. Todos sabemos e é a coisa mais lógica e natural do mundo que assim fosse.
Mas em vez de gastar milhões de dólares com uma nova estratégia de marketing para transformar as acusações em “conspiracao” , em vez de buscar abrigo na demagogia de estilo castrista (lamentável recurso a um exemplo natimorto), que tal simplesmente dizer a verdade, assumir a lama partidária e fazer da verdade uma gloriosa plataforma de re-encontro com seu próprio povo.
O marketing excessivo, alucinado e alienante vem dominando há décadas a política brasileira. O senhor poderia muito bem ser agora a exceção que rompa isso tudo.