Menos de uma semana após se dizer "indignado" com as recentes revelações das circunstâncias da morte de Jean Charles de Menezes, que levantaram fortes suspeitas de que a Metropolitan Police, ou Scotland Yard, teria tentado abafar o caso, o governo brasileiro adotou ontem uma postura muito mais cautelosa, manifestando confiança nas investigações promovidas pelas autoridades britânicas.
Numa entrevista que atraiu dezenas de jornalistas, os três emissários especiais do governo brasileiro - o vice-procurador-geral da República, Wagner Gonçalves; o diretor da área internacional do Ministério da Justiça, Márcio Garcia; e o diretor do Departamento de Brasileiros Residentes no Exterior do Itamaraty, Manoel Gomes Pereira - também evitaram criticar a conduta da polícia no caso.
Questionado se a atitude da Scotland Yard até o momento levantava a suspeita de uma operação de abafamento - hipótese aventada por boa parte da imprensa britânica e pela família do brasileiro -, Pereira disse: "Até o momento, não temos nenhuma razão para acreditar que houve isso". Ele acrescentou que a IPCC "é independente e nós estamos acreditando completamente em seus métodos".
Os representantes brasileiros vão se encontrar hoje com os diretores da IPCC. Eles vão pedir que a comissão exiba o vídeo gravado no saguão da estação de metrô de Stockwell na manhã do dia 22 de julho que mostra, segundo a imprensa britânica, Menezes caminhando normalmente rumo às catracas.
"Muitos diplomáticos"
O tom conciliador dos emissários surpreendeu aqueles que esperavam alguma crítica do governo brasileiro a polícia. Um repórter da emissora de televisão britânica BBC ironizou que os brasileiros foram "muito diplomáticos" ao tratar do tema. "A expectativa de que o Brasil iria criticar o establishment legal britânico se evaporou", disse. A cautela dos emissários deverá diminuir a pressão para que o chefe da Scotland Yard, Ian Blair renuncie ao cargo antes do final das investigações.
Após a entrevista, um porta-voz da embaixada disse ao jornal O Estado de S. Paulo que o governo brasileiro não descarta que tenha ocorrido uma tentativa de abafamento da operação policial, mas isso somente poderá ser constatado após a conclusão da investigação independente. Outras fontes diplomáticas ressaltaram que os emissários não estão numa posição que permitia criticar as autoridades britânicas.
Wagner Gonçalves disse que é preciso se evitar pré-julgamentos do comportamento da polícia. Segundo ele, o resultado da investigação será importante para mostrar a independência da IPCC, um órgão recentemente criado. "Qualquer juízo de valor nesse momento é precipitado", afirmou. "Devemos e temos de acreditar (na comissão) exatamente para que a investigação tenha resultados." Ele observou que o encontro da missão com a IPCC hoje será "muito importante"
"Perplexidade"
As declarações dos emissários brasileiros foram pontuadas por trechos confusos. Questionados se acreditavam que a polícia teria escondido informações após o incidente, ou não teria agido normalmente no caso, Pereira disse: "Não, de maneira alguma". Mas ele também lembrou que o governo brasileiro ficou "perplexo" com o vazamento das notícias e imagens sobre a morte de Menezes divulgadas pela imprensa britânica na semana passada. "Nós não tínhamos uma idéia dos fatos que foram vazados", afirmou.
Gonçalves enfatizou que a missão brasileira já vinha sendo organizada antes das novas revelações sobre a morte do brasileiro. Segundo ele, o objetivo dela é entender o sistema legal britânico e acompanhar as investigações "para que não haja impunidade". Ele informou que o Brasil enviará novas missões a Londres para acompanhar o caso.
Os representantes brasileiros afirmaram que no encontro na segunda-feira com o subcomandante da Scotland Yard, John Yates, foram informados sobre detalhes do incidente. Segundo eles, Yates disse que a Scotland Yard demorou três dias para transferir oficialmente a investigação para a IPCC por causa da operação antiterrorismo em vigor no país. Os brasileiros também se reuniram com Ian Blair.
Os emissários conversaram ontem com o primo de Jean Charles, Alessandro Alves Pereira, que sugeriu que eles se reúnam com a advogada da família, Gareth Peirce. Antes de retornar ao Brasil na sexta-feira, eles devem também contatar outros representantes do sistema legal britânico.
Natal
Numa audiência perante o tribunal responsável pelo inquérito sobre a morte de Jean Charles, o advogado da IPCC, Richard Latham, disse que a investigação deverá ser concluída até o próximo Natal. "Ninguém espera que uma investigação como essa seja apressada", disse Latham. O juiz John Sampson solicitou um relatório sobre o progresso das investigações.
Alguns jornais britânicos informaram ontem que a campanha de apoio a investigações mais profundas sobre o caso estaria sendo manipulada por ativistas de grupos radicais de esquerda.