
Vanuza Ramos e Marisa Arruda Barbosa
Após vários meses de investigação, a divisão da Securities and Exchange Comission (SEC), em Massachussetts, formalizou, esta semana, uma queixa contra a empresa Telexfree. O processo foi apresentado, no dia 15, contra a Telexfree Inc., acusada de formação de esquema de pirâmide e esquema fraudulento de vendas de serviços de telefonia com base na internet, do sistema Voip (voice over IP address). O Estado acusa a empresa de violar o artigo 110 A da lei que regulamenta a negociação de bens e valores no estado.
A acusação veio um dia depois que a empresa, que tem sua sede nacional em Marlborough, Massachusetts, solicitou ao Tribunal de Falências do Distrito de Nevada os benefícios do Capítulo 11 do Código de Falências dos Estados Unidos. Em comunicado, a Telexfree explica que tem dinheiro para sustentar uma reorganização da companhia e para manter os serviços para seus clientes durante o processo de pedido de falência. “A Telexfree tem a intenção de usar o Capítulo 11 para otimizar sua plataforma de venda e se posicionar para ressurgir como uma companhia mais forte e mais competitiva”, disse o comunicado.
Segundo um documento da SEC obtido pela redação do GAZETA, a Telexfree confirmou ser “uma pirâmide velada que tem como alvo a classe trabalhadora brasileira e americana”. A afirmação é de que a suposta venda de serviços Voip funcionava apenas como um disfarce para o “esquema de renda passiva” da empresa, que obtinha seus lucros com o recrutamento de pessoas.
De acordo com o secretário de Estado, William F. Galvin, as investigações vinham acontecendo há meses e vários dados e depoimentos levantados confirmariam um suposto esquema de pirâmide. A SEC tenta, agora, uma forma de reter os bens da Telexfree para assegurar o pagamento devido aos credores da empresa. No processo, o Estado pede à Telexfree uma declaração de todo o dinheiro recebido dos seus clientes/divulgadores. Também busca uma maneira de fazer a Telexfree restituir as perdas dos investidores, além de penalizá-la com uma multa.
No processo são citados como partes responsáveis pelo possível esquema Carlos Nataniel Wanzeler (tesoureiro e diretor da Telexfree, detentor de 50% das ações da empresa), James Mathew Merril (presidente da Telexfree e também detentor de 50% das ações), Steve M. Labriole (diretor internacional de marketing), Carlos Roberto Costa (gerente), Fabio N. Wanzeler (diretor da Telexfree LCC e braço da empresa na Flórida), Ympactus Comercial Ltda-ME (representante da empresa no Brasil), Lyvia Maria Campista Wanzeler (citada como responsável pela Ympactus), Disk A Vontade Telefonia Ltda (empresa que emprestava sua plataforma para habilitação dos VOIPs e DBA da Brazilian Help Inc.), Brazilian Help Inc, Telexfree Financial Inc, e Sanderley R. Rodrigues, que também usa os nomes de Sann Rodrigues ou Sanderley Vasconcelos, e aparece como top promoter mundial da empresa.
Empresa mobilizou $1,2 bilhão no mundo e $90 milhões em MA
Somente em Massachusetts, a empresa teria arregimentado mais de 71 mil participantes, que movimentaram $90 milhões de dólares na região de Boston, de acordo com Galvin. Ainda de acordo com a secretaria, 88% dos divulgadores eram detentores do pacote “family”, com investimento de $1.375 dólares. As pessoas eram incentivadas também a se tornarem Team Builder (formador de equipe) ou Team Cycle, com promessas de bônus maiores. Alguns formadores de equipe chegavam a receber de $15 mil a $30 mil dólares em um mês, como bônus.Um investidor/divulgador da Telexfree era recrutado a investir em pacotes de $289 dólares (Ad Central Package) ou $1.375 dólares (Ad Central Family Package), com a promessa de terem mais de 250% de lucro em retorno, em um prazo de 12 meses.
Transferências de $7 milhões para conta pessoal de Wanzeler
Extratos bancários também revelam transferências feitas, somente no mês de dezembro de 2013, no valor de $7 milhões de dólares para uma conta pessoal de Carlos Wanzeler. Desse valor, $3 milhões seriam repassados para Costa. Ainda segundo o documento do SEC, outros $12 milhões de dólares foram repassados para contas bancárias de várias agências corretoras de investimentos em bolsas de valores.Ainda na leva de transferências de dinheiro da Telexfree aparece o time brasileiro, o Botafogo de Futebol e Regatas como beneficiário de $1,7 milhões de dólares. O depósito foi efetuado no dia 30 de dezembro de 2013.
Entre agosto de 2012 e março de 2014, a empresa tinha registrado o pagamento de mais de $300 milhões dólares em comissões, mas somente 10% desse montante era proveniente de venda de Voips. Os outros 90% faziam parte do pagamento do plano de compensação e bônus pelo recrutamento de novos divulgadores.
Mudanças da Telexfree causaram revolta
O frequente questionamento do SEC e a corrente investigação obrigaram a Telexfree a modificar seus planos de distribuição de pagamento de comissões, e essas mudanças causaram insatisfação geral. As novas regras entraram em vigor no dia 9 de março e determinaram que os investidores e divulgadores teriam que vender os serviços Voip para poder obter seu retorno. A mudança foi uma tentativa da empresa de se adequar às exigências dos órgãos reguladores. Mas com as novas regras, os divulgadores já existentes tiveram seus rendimentos bloqueados, e só poderiam receber mediante a venda de cinco Voip por cada conta ativa.
As comissões também passaram a ser pagas em forma de crédito ao invés de dólar, o que impossibilitava o resgate direto através de saques, segundo informações de alguns divulgadores que preferem não se identificar. Os pagamentos somente poderiam ser feitos no novo formato, através de uma transferência da Telexfree para a conta bancária do detentor da conta.
Os créditos também não poderiam mais ser usados para abrir novas contas, como vinha acontecendo antes. Nos últimos meses, com o crescimento desenfreado da empresa em Boston e na Flórida, muitos líderes de teias – ou redes - usavam os próprios créditos e bônus para habilitar novas contas. “Na prática, a pessoa recebia o dinheiro e colocava no bolso. E usava os seus créditos e bônus para habilitar novas contas. Esse dinheiro nunca era depositado no banco da Telexfree”, confirma uma fonte que não quis se identificar. “Com essa prática, os brasileiros apenas faziam transferências e transações on-line, no banco virtual do Telexfree, passando créditos de uma conta para outra. Essa prática também foi coibida com as mudanças de março”, reitera. A prática também foi confirmada pela SEC, no documento apresentado no dia 15.
As proibições causaram insatisfação e milhares de divulgadores começaram a abandonar suas redes. Outros passaram a procurar autoridades de Boston e denunciar a Telexfree por não cumprir com as promessas feitas na hora da venda. A novela culminou com a formalização da queixa da SEC contra a empresa e seus sócios. Um dia antes, a Telexfree Inc. entrou com pedido de falência (Chapter 11 Bankruptcy Protection) na corte de Nevada.
Divulgadores da Flórida acreditam na recuperação da empresa
Procurados pela reportagem do GAZETA NEWS, muitos divulgadores na Flórida preferiram não se pronunciar e alegaram ainda desconhecerem ao certo os fatos. A maioria, porém, se declarou confiante na recuperação da empresa. “Eu acho que a empresa vai se recuperar. Que é somente uma estratégia de reformulação e, em breve, tudo vai se resolver”, afirma o mineiro A., de 28 anos, que mora nos EUA há 13 anos e é detentor de uma rede com mais de 16 mil contas. Ele afirma ter, pessoalmente, mais de $300 mil dólares ainda a serem recebidos. Apesar do montante, ele diz não temer um calote da empresa e acredita no ressarcimento.
A. entrou para a empresa há um ano e dois meses, em Boston, e há seis meses também montou redes e escritórios da Flórida. Afirma que sempre foi sincero com seus cadastrados e que sempre deixou claro que, como em qualquer investimento, havia riscos.
Apesar da confiança, ele admite já ter buscado assessoria legal para saber como deve proceder caso a empresa não consiga cumprir com seus pagamentos.
Quanto aos investidores de sua rede, ele afirma, a maioria ganhou mais dinheiro do que perdeu.
Os representantes da Telexfree divulgaram uma lista dos trinta maiores credores da empresa, que teriam cerca de $15 milhões de dólares em valores devidos, retidos pela Telexfree. A empresa afirma aos credores, porém, que tem dinheiro em caixa suficiente para cumprir com todos os pagamentos. “A empresa reconhece que deve e afirma que vai nos pagar”, repete A.
“Todos sabiam que não seria para sempre”, diz divulgadora
A brasileira Luciana Meadows, de Sarasota, é divulgadora da Telexfree e diz que, por um ano, a empresa, apesar de desorganizada, sempre fez os pagamentos. “Todos sabiam que esse negócio não seria para sempre, infelizmente”, disse ela.
No entanto, com as mudanças do início de março, todos os detentores da conta família teriam que vender os Voips para sustentar a pirâmide, enquanto aqueles que já estavam na empresa antes dessa data teriam o contrato cumprido do formato antigo. “Acontece que eles não cumpriram com o prometido e eu tinha certeza que o formato novo daria errado, só não pensei que fosse tão rápido”.
Segundo Luciana, a empresa também mudou o valor do Voip sem avisar. “O custo de cada Voip era $49,99 dólares e a empresa devolvia $44,99 dólares. Ou seja, o valor saia por $5 dólares por mês. Na última vez que paguei, eles devolveram apenas $5 dólares ao invés dos $44,99 dólares. O problema da Telex é que apesar deles pagarem as pessoas, eles faziam as coisas como queriam e de qualquer jeito, sem avisar as pessoas”, continua Luciana, que disse que só recebeu seu 1099 para a declaração de imposto de renda na semana passada, e não em janeiro, como é norma para as empresas. “E o meu 1099 tinha o valor errado, ainda por cima. Para mais, é claro”.
‘Top Promoter’ da empresa já foi processado por fraude no FoneClub
O nome que aparece no topo da rede do Telexfree já é conhecido da comunidade brasileira. Sann Rodrigues, que aparece nas propagandas da Telexfree como Top Promoter Mundial, era o presidente da Universo Foneclub Corp., que oferecia investimentos em formato de títulos de um clube de telefonia e também foi investigada em 2006. Na ocasião, Sann foi processado pela pelo mesmo órgão, SEC, acusado de fraude e formação de pirâmide.
Na ocasião, Sann se defendeu, alegando que desconhecia as exigências da SEC, e também reformulou e reestruturou sua empresa, que passou a funcionar com novas normas com o nome de PhoneClub USA. Na PhonClub USA os cartões telefônicos eram o principal produto, mas a empresa também vendia títulos de um clube de telefonia, usando tecnologia VOIP e oferecia cargos na hierarquia da empresa, cobrando até $2 mil dólares de cada investidor. O associado se tornava gerente, associado-executivo ou vice-presidente, e ao investir nesses cargos, ganhava o direito de retirar em produtos o valor investido.
Números
$90 milhões de dólares é o montante de negócios registrado em MA;
$15 milhões de dólares de dólares é o valor devido aos 30 maiores credores da Telexfree, segundo lista apresentada pela empresa no dia 15;
$7 milhões de dólares transferidos somente em dezembro para a conta pessoal de Wanzeler;
$1,7 milhões de dólares depositados na conta do Botafogo;
$12 milhões de dólares transferidos para contas de várias agências de investimentos em bolsa de valores;
$1,209 bilhão de dólares foi o faturamento registrado pela empresa de janeiro de 2012 a dezembro de 2013.
Divulgadores da Flórida acreditam na recuperação da empresa