A polícia de Framingham, no estado de Massachusetts, recebeu a ligação da brasileira Carla Souza, de 37 anos, às 23h do último sábado (1h de domingo). Eu preciso que vocês venham à minha casa. Problemas com meu marido, disse, antes de se calar para sempre. A mensagem registrada na secretária eletrônica termina com barulho de golpes. O carpinteiro Jeremias Bins, de 30 anos, acabava de acertá-la na cabeça utilizando um martelo.
Caíque, de 11 anos, filho de Carla e enteado de Jeremias, entrou no quarto para tentar socorrer a mãe. Também foi golpeado na cabeça. Os policiais teriam chegado ao apartamento menos de 2 minutos após a ligação.
O garoto morreu ao dar entrada no MetroWest Medical Center. Carla foi transportada de helicóptero para o Massachusetts General Hospital, em Boston. Os médicos a declararam morta por volta de 1h30 (hora local). Cerca de 90 minutos após o socorro às vítimas, o assassino se entregou na polícia. Com sangue pelo corpo, carregava Felipe, de 5 meses, o único filho do casal. O duplo homicídio chocou a cidade. Desde outubro de 2003, Framingham não registrava homicídios. Na tarde de ontem, as autoridades divulgaram a causa das mortes: múltiplas fraturas no crânio e lacerações cerebrais.
”Parece que o envolvimento da senhora Souza na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias era fonte de muita tensão no casamento”, revelou Emilly LaGrass, porta-voz do promotor Lee Hettinger. Se for considerado culpado, Jeremy responderá a duas acusações de homicídio em primeiro grau. E ficará o resto da vida atrás das grades. Para Terry Holmes, bispo do templo mórmon em Weston, a religião teria sido apenas um pretexto. Ele tinha ciúmes de Carla pelo tempo dedicado à igreja. Ela ajudava em programas de apoio à comunidade e nos visitava aos domingos e às terças-feiras, contou. Mas além de trabalhar como faxineira, ajudava Caíque na escola e cuidava de Felipe. Isso pode ter deixado Jeremias mais ciumento.
Surpresa
Apresentado a Carla há 2 anos, o líder religioso a considerava muito gentil e cheia de compaixão. Em 2002, Jeremias abandonou o trabalho numa fazenda em Santa Luzia (RO), a 600km de Porto Velho, para tentar a sorte nos EUA. Movido pela curiosidade e de formação católica, visitou o templo. Ele não tinha domínio do inglês e, por isso, se mostrava tímido. Mas sempre tinha um sorriso no rosto, comentou o bispo. Holmes garante que Carla jamais o procurou para denunciar ameaças. Natural de Feira de Santana (BA), a brasileira morava em Massachusetts desde 1999. O casal se conheceu numa das celebrações da igreja, no final de 2004. Em março de 2005, o bispo celebrou a união. Como qualquer casamento, havia desafios financeiros. Para Caíque, era difícil aceitar Jeremias como pai adotivo.
A mineira Ângela Freitas, de 40 anos, também tenta entender o que ocorreu. Vizinha de Carla, relatou que conhecia a amiga há 8 anos. Ela havia acabado de se divorciar do marido. Após viver sozinha por 5 anos, mudou-se para uma cidade próxima e voltou para cá casada com Jeremias. Por pouco, o filho de Ângela não testemunhou o assassinato. No dia do crime, meu filho (de 12 anos) ficou brincando com Caíque. Ele me contou que Jeremias estava bravo e discutira com Carla por volta das 17h. A briga teria começado quando a baiana checava no computador as mensagens enviadas pelos mórmons. Meu filho ouviu Jeremias gritando que os amigos dela tinham de procurar o que fazer. Duas horas antes do assassinato, o criminoso teria telefonado para membros da igreja e exigido que deixassem Carla em paz.
Repercussão
A Secretaria de Segurança Pública de Rondônia informou que Jeremias não possuía antecedentes criminais. Em depoimento à polícia, o homem que destruiu a própria família confessou ter matado porque Carla passava muito tempo na igreja. Após se entregar, ele apenas disse: Eu sinto muito. A edição de ontem do Boston Herald trouxe uma foto de Jeremias com manchete em página inteira e letras garrafais: Muita religião fez com que ele matasse?. O jornal dedicou duas páginas ao assunto. Felipe, de 5 meses, está sob custódia do estado de Massachusetts. De fundamentação cristã, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias foi criada no século 19. Com sede fica na cidade norte-americana de Salt Lake City (Utah), está espalhada por 160 países — ao todo, são 12 milhões de seguidores.
